domingo, 23 de junho de 2019

DISTORÇÕES



Empatia. Substantivo Feminino. Capacidade de projetar a personalidade de alguém num objeto, de forma que este pareça como que impregnado dela. Disse o Google! Mais ainda: “Capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo.” Assim falou Zaratustra.

Além disso, a espiritualidade nos diz que a energia da pessoa fica nas roupas que ela veste. Ora. Não duvido disso. Passo minha alegria para as roupas que eu faço doação. Sempre. Como sugestão, lave as roupas e passe-as (se assim o tecido permitir) e limpe bem os objetos que ganhou de outra pessoa, antes mesmo de usá-los.

E é isso que a peça Distorções, em cartaz no teatro 1 do SESC Tijuca nos mostra. No princípio, tudo era água... ou ar... ou energia. Vá saber? O que conta o espetáculo, de uma forma simpática e criativa, escrito por Fabrício Branco, é a vida dos personagens através das suas roupas. De um capote a um guarda-pó, do romance de uma camisa regata com uma gola rolê (que me lembrou a música Eduardo e Mônica), passando pela desconfiança da farda e mostrando o triste fim da camisa da seleção brasileira de futebol.

No palco, o cenário de Carlos Alberto Nunes nos lembra as lavanderias modernas que temos hoje em cada esquina da cidade. O figurino de Nivea Faso, além de vestir, é personagem principal da história. Iluminando tudo, Ana Luiza de Simoni, cujo sobrenome famoso nas artes de iluminação prova que DNA, talento e vocação estão presentes em sua carreira. A trilha sonora de Marcello H contribui imensamente para o caminhar da história. E o visagismo e a maquiagem de Diego Nardes é sempre sinônimo de qualidade.

Eduardo Vaccari assina uma direção competente e elegante. Em meio a tantas roupas e assuntos, Eduardo consegue passar verdade com os figurinos-personagens, se utiliza do cenário para fazer janela com cortina, máquina de lavar, muros. Abre a peça com palco vazio e monta o cenário – recurso que eu gosto muito. Na atuação, permite às atrizes uma compreensão perfeita do texto e se preocupa com as expressões faciais e o ritmo da peça.

Carmen Frenzel e Mariana Consoli, atrizes da melhor safra e da melhor qualidade, empresam seu caráter humano aos personagens. Conheço, respeito e admiro ambas não só pelos seus trabalhos mas por suas condutas de vida, simpatia, força, garra e respeito ao próximo. Dois talentos da arte dramática que precisam muito estar em cena para nos alegrar com seus brilhos, suas luzes. Carmen e Mariana não economizam. Se utilizam de ferramentas de interpretação e voz para contar as histórias da peça, que pode ser banal, mas cuja mensagem é importantíssima nos dias de hoje.

Não só de empatia fala Distroções. Somos todos protagonistas das nossas histórias e, portanto, olhe para o outro e veja que ele também é protagonista da história dele e que isso merece ser respeitado. Alguém ao seu lado pode estar passando por um problema e você nem sabe. Respeito, amizade, solidariedade e vida. É disso que estão falando!

Muitas vezes distorcemos a verdade para caber nela, para que a vida seja mais colorida quando a realidade é sem cor. Seja qual for a sua verdade, corra já para o SESC Tijuca e receba esta “lufada” de amor, competência e talento.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

IRMA VAP


Foi no século passado que fui com minha mãe e irmã ao Teatro Casagrande, antes do shopping, assistir ao sucesso da temporada. Sentamos em cadeira extra, na lateral. E foi mágico. Quando acabou a apresentação eu estava consciente de que era disso que eu queria viver. Foi por causa desta peça que a paixão pelo teatro surgiu.

Corta para 2018. Quando soube da nova montagem, fiquei eufórico e faria de tudo para assistir. Partiu São Paulo. E a magia se refez.

A história é uma comédia com pitadas de terror e suspense. Dois atores se revezam em 6 papéis e o grande desafio é a rápida troca de roupas.

Seria impossível refazer o espetáculo, que é uma comédia clássica, nos tempos atuais. Repetir a fórmula seria compará-la ao “original”, e as criticas seriam imensas. Então, o diretor Jorge Farjalla, conhecido por montagens inovadoras, re-inventou Irma Vap.

Nos dias de hoje, vemos televisão, seriado, usamos o celular, alternamos entre aplicativos, digitamos e ouvimos música, tudo ao mesmo tempo. Farjalla usa isso para modernizar Irma Vap. Temos humor, critica política, enxurrada de referências de cinema e de memes, homenagens, música e inteligência. Se na montagem original o mérito era de Marco Nanini e Ney Latorraca (dirigidos por Marília Pera), nesta versão o mérito é de Jorge Farjalla (que dirige Luis Miranda e Mateus Solano). Farjalla brinca com os atores e surpreende a plateia com uma direção segura, criativa, moderna e inovadora. A grande referencia é um trem fantasma, que dá vida ao cenário. Um parque de diversões tanto para o elenco quanto para o público.

Marco Lima assina a cenografia excelente que encaixa como uma luva na ideia do diretor. Karen Brusttolin criou um figurino criativo, recheado de conceitos, que vão desde Drácula de Bram Stoker até Priscilla a Rainha do Deserto, mas que precisa ser de rápida troca. Cesar Pivetti ilumina toda a cena com perfeição, como um show, como teatro. E a trilha sonora de Gilson Furushima é um personagem à parte! Que equipe, senhores! Que equipe!

Farjalla acerta também quando acrescenta ao espetáculo quatro atores-músicos-bailarinos. Greco Trevisan, Fagundes Emanuel, Thomas Marcondes e Kauan Scaldelai são corvos, ratos, conta-regras, músicos, camareiros, ponto eletrônico... uma infinidade de atividades que faz o espetáculo ficar mais rico.

Luis Miranda e Mateus Solano são os atores desta terceira montagem (Marco Nanini e Ney Latorraca na primeira, Cassio Scapin e Marcelo Medicis na segunda). Inegável o imenso talento dos dois. Luis com seus brilhantes personagens de Terça Insana e Sete Contos, se utiliza das suas construções conhecidas do público e as empresta para os personagens desta peça. Mateus Solando, gênio, usa as referencias de Dois para Viagem e Selfie, acrescenta um trabalho de corpo impecável e minucioso, e vive os personagens de Irma Vap sabendo da responsabilidade que é esta remontagem.

Impossível dizer que o mérito do sucesso desta nova Irma Vap é de uma só pessoa. Os produtores Marco Griesi, Priscila Prade, Daniela Griesi e Fernando Trauer acertaram na escolha da equipe toda. Acreditaram na ideia trazida por Jorge Farjalla e embarcaram neste trem-fantasma, nesta brincadeira, neste espetáculo genial, nesta aventura cujo sucesso é garantido.

Desejo que Irma Vap 2019 tenha tanta vida quanto a primeira montagem, que ficou 11 anos em cartaz. O teatro brasileiro precisa deste espetáculo. Novas plateias precisam ser formadas e Irma Vap tem tudo para levar de volta às salas de espetáculo o público que se afastou. Irma Vap mostra ainda aos empresários e patrocinadores que o teatro está vivo e é um ótimo investimento.

Fiquei muito feliz e emocionado em rever os personagens, em voltar a acreditar que o teatro é importante para a cultura nacional. E, mais que tudo, fiquei impressionado por saber que é possível remontar um espetáculo clássico de uma forma ainda melhor. Jorge Farjalla reinventou o teatro de comédia com esta versão de Irma Vap. Aplausos e gritos de Bravo são pouco para este espetáculo. Por favor, assista. Não perca esta oportunidade. Vida longa a Irma Vap!!