terça-feira, 14 de novembro de 2023

MAHATMA ANDY E A BATATA FILOSOFAL


Era 1982 e o filme Gandhi tirou de ET o Óscar de melhor película daquele ano. Fiquei revoltadíssimo! Como pode isso? A birra foi tanta que levei anos para assistir ao premiado filme. Pois a história verídica de um homem “que empregou a resistência não violenta para liderar a campanha bem sucedida para a independência da Índia do Reino Unido” (colei do Google) superou a história hollywoodiana fantasiosa da mentira dos ETs. Ora, nada mais justo! A mensagem de Gandhi é muito mais poderosa – e necessária – que o resgate de um ser de outro planeta. Se bem que, no momento onde temos 2 guerras externas midiáticas em curso e mais tantas outras nas periferias das capitais de estados brasileiros, qualquer ajuda dos céus na face da Terra seria muito bem-vinda...

De novo fui ao Google e ele me diz que “os Mahatmas não são seres desencarnados, mas pessoas altamente evoluídas envolvidas na supervisão do crescimento espiritual dos indivíduos e do desenvolvimento das civilizações.”

Posto isto... está em cartaz no CCBB Rio o ótimo espetáculo Mahatma Andy e a Batata Filosofal. Como diz o release, um “mocumentário”, gênero teatral que incursiona pelo território da dúvida. E de fato fiquei na dúvida se o que estava sendo dito no palco era realidade ou invenção. Andy nos conta que o personagem interpretado, ou vivido, recebera o título da ONU, através do departamento de grandes erros históricos, com intermédio da Monja Coen. Mas para ter direito ao título, deveria conquistar o Sans Souci (Sem Preocupação). Traduzo: pra ser Mahatma tem que atingir a paz interior. 

O texto é do próprio Andy Gercker que nos traz uma dramaturgia rica em pesquisa e em histórias pessoais misturadas com competência, humor e elegância. A arte de contar um grande causo intermediado por mini-historinhas é arte para poucos e Andy produz um texto que traz pequenas situações, ora regadas de humor – conhecimento da neurociência –, ora banhadas de lágrimas – autoficção, representatividade LGBT+ -, que faz com que todo o espetáculo seja crível, real e verdadeiro.

O cenário, trilha sonora e figurino também foram pensados por Andy Gercker, ator e neurocientista, são o necessário para que todo o conteúdo do espetáculo seja muito bem aproveitado. A luz é do sempre ótimo Paulo Cesar Medeiros, colaborando com a direção nos momentos de riso e emoção.

Também é dele, Andy, a direção da peça. Me impressiona muito quem consegue se dirigir de dentro do processo. É muito neurocientista aquele que sai de seu corpo e olha de fora o todo. Andy faz isto. A peça não tem pressa. Tem pausas significativas e respeito pelo texto e pelo público. Tudo é explicado e encenado. O uso dos objetos capa, tapete, livro do Príncipe, e da batata, são necessários e importantes. A movimentação também no pequeno espaço do Teatro III do CCBB permite que o público se sinta íntimo do ator/autor/diretor.

Como ator da peça, Andy Gercker está ótimo. Seguro, alegre, consciente e aproveita todo o seu texto para mostrar, ainda mais, o excelente e talentoso profissional que é.

Bebendo na fonte inesgotável de arte do grupo Monty Python – trupe de comédia britânica -onde o humor é baseado na sátira, história e recriação da realidade, Andy Gercker nos proporciona um dos melhores monólogos da temporada teatral carioca. Detalhe ainda para o ótimo título que brinca com Harry Potter e seu primeiro livro. Que Andy possa trazer também Mahatma Andy e o Cálice de Fogo Sagrado...

Assim como na batalha entre os filmes ET (ficção) e Gandhi (realidade), onde a vitória é do cinema, em Mahatma Andy e a Batata Filosofal a vitória é do próprio Andy Gercker e, sem sombra de dúvidas, do teatro brasileiro. Vida longa a Mahatma Andy e a Pedra Filosofal. Viva o teatro!!