sexta-feira, 15 de maio de 2015

ANTI-NELSON RODRIGUES


Toda vez que é aprovado um novo integrante do Clube da Letra, imediatamente este tem que escolher o patrono da cadeira que irá defender. Tal qual a ABL, nós, celetristas, escolhemos aquele que nos identificamos de imediato com a forma de escrever. Este pobre e de meia idade blogueiro escolheu ninguém menos do que Nelson Rodrigues. Por amor ao seu texto, sua forma ácida de contar a vida doméstica como se olhássemos pelo buraco de fechadura. Toda família tem um podre, Nelson já sabia. O que me encanta em seus textos é retratar a realidade do Brasil, mais do Rio de Janeiro, na época em que escrevia (anos 60 – 70). Uma enciclopédia comportamental, prato cheio para psicólogos.

Está em cartaz no Teatro III do CCBB, o penúltimo espetáculo escrito por Nelson Rodrigues, “Anti-Nelson Rodrigues”. A história gira em torno do filho bon vivant, paparicado pela mãe, detestado pelo pai e dono de um machismo típico. Acontece que o presidente de uma das empresas do pai, morre, e o filho pede à mamãezinha querida que dê à ele o cargo. Por outro lado, uma moça de família, que vive com seu pai e uma empregada doméstica, noiva, recatada, virgem e religiosa, consegue emprego na mesma empresa. Ora, já se pode imaginar o que acontece. O jovem conhece a mocinha, tenta de tudo leva-la para a cama, cortejando-a e amedrontando-a, até mesmo comprando-a e ao seu pai. Daí que ele não para de pensar nela e sua vida passa a girar em torno desta conquista. Como acaba esta história, só indo ao teatro para saber. Mas já digo: é Nelson Rodrigues da melhor qualidade!

No pequeno teatro, o ótimo cenário de Pati Faedo representa, com seu piso de tacos parquet, as casas e empresas da época. Duas cadeiras, uma mesa de secretaria e uma cama compõem os ambientes. Um cenário ótimo, pois nada além disso é necessário. A cadeira elegante para o escritório impõe imponência, a cadeira simples para a casa da mocinha, mostra o quanto aquela família precisa do emprego da fila. A cama típica, a mesa com gavetas, são perfeitas. O figurino de Nivea Faso está também de acordo com a época e permite a livre movimentação dos atores, bem como caracterizar cada personalidade. Gosto muito também da iluminação do sempre ótimo Luiz Paulo Neném. Focos, momentos, espaços delimitados completando a cenografia. A trilha sonora é executada pelo pianista Francisco Pons com direção musical de Mauro Berman.

Os atores seguros, com atuações inteligentes e bem ao estilo rodriguiano. Juliana Teixeira, ótima,  faz a mãe protetora do filho, interpretado com dignidade e malandragem necessária por Joaquim Lopes. Química perfeita entre os dois. Yasmim Gomlevsky é a heroína que foge o tempo todo dos ataques do mimado jovem presidente. Sua composição é recatada quando necessário e acreditamos naquele personagem. Rogério Freitas é o pai, que sofre com a indiferença do filho, rival e quase inimigo. Rogério se entrega e se desnuda de vaidade e merece todos os aplauso. Gustavo Damasceno e Carla Cristina, em papéis ricos, mesmo coadjuvantes, conseguem marcar presença cada vez que se apresentam para contar a história. E, não menos importante, Tonico Pereira. Sou fã, seguidor, admirador e, por isso, vê-lo em cena é um presente para o teatro carioca. Tonico precisa estar mais vezes em cartaz. Suas atuações são sempre uma aula para todos.

Comandando o espetáculo, Bruce Gomlevsky vem se firmando como um dos grandes diretores da atualidade. Preocupa-se com a direção de atores e a do espetáculo na mesma proporção. Em “Anti-Nelson Rodrigues” seu trabalho é merecedor de indicações a prêmios de teatro. Firme, ágil, moderna. Excelente o momento em que, no palco estão três atores: a cena com a mãe, em casa, é alternada com a do subalterno, na empresa. Sabemos perfeitamente onde se passa cada ação sem nos confundirmos.


Ter Nelson Rodrigues encenado deveria ser obrigatório e constante. Além de servir como inspiração para jovens escritores, ver atuações e direção como esta só nos orgulha do nosso teatro. Que felicidade poder assistir a este “Anti-Nelson Rodrigues”, que só teve uma única montagem em 1974 e depois esquecido. Felizmente, Juliana Teixeira, pela produtora Nova Bossa, nos traz este Nelson da melhor qualidade. Vida longa ao espetáculo! Imperdível.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

HAMLET OU MORTE


Estudei no Instituto Guanabara e nossa professora de inglês, Riva, loura, linda, americana naturalizada brazuca, nos encomendou uma apresentação teatral em cima de uma musica. Escolhi “The Logical Song”, do ótimo Spertramp. Escrevi o roteiro, escalei 2 alunas-atrizes-cobaias (que toparam brincar com a música e divertir a plateia) e dirigi. Na época nem sabia que estava fazendo isso tudo... Compramos asas de pássaros, criamos coreografia, ensaiamos. No dia da apresentação, a plateia rolava de rir. Nós, felizes como pinto no lixo, queríamos mais. E improvisávamos, e combinávamos coisas durante a música. Nem a gente se aguentava. Aplausos. Nota dez no trabalho e passamos direto na matéria. Inesquecivel.

Está em cartaz no Teatro Poerinha o espetáculo “Hamlet ou Morte – uma trágica comédia”. A peça pode ser dividida em duas partes. A primeira, quando quatro “meliantes” são conduzidos à cadeia por crimes cometidos. Nesta parte, de dois em dois (pares e cumplices) têm a primeira chance de serem absolvidos perante Deus. Um pastor é convidado para ouvir a história de cada par, justificando os motivos pela prisão. A segunda parte, sem perder o link com a primeira parte, os acusados têm a chance de serem absolvidos pela Rainha. Sua chance é representar Hamlet e agradar. Sendo a atuação convincente, a absolvição é imediata.

Adaptação e direção assinadas por Adriana Maia. Muito dinâmico, moderno e divertido, o texto, muito bom, já ajuda e facilita a vida da direção. Adriana além de saber exatamente o que quer com este espetáculo (mostrar os talentos jovens e seu brilhante trabalho de pesquisa) consegue obter resultados muito positivos. Sua direção é competente, firme e certeira. De bom gosto, tão ágil quanto o texto. Palmas para a cena do “cinema mudo” e para toda a representação de Hamlet. Aplausos de pé!

A cenografia e figurinos de Adriano de Ferreira. Ótimos! Adriano consegue entender e colaborar com tudo que a direção precisa para fazer um ótimo espetáculo. Seu palco sobre o palco serve aos propósitos da peça. Gosto do andaime que vira varal, cortina de palco e torre. O figurino é bem casado com a cenografia e permite aos atores se movimentar com facilidade, além de compor cada personagem com exatidão.

A luz, de Walace Furtado, é um acerto. Destaque para o casamento com a cenografia, na cena da cela da prisão. As grades são feitas de luz! Criativo e bem realizado. A trilha sonora, por vezes executada ao piano pelos atores, completa a excelência do espetáculo.

É muito importante quando todos estão envolvidos e entregues no jogo do espetáculo. Além do mérito da direção (e da equipe), os atores são quem leva ao publico tudo que foi pesquisado e ensaiado. O quinteto fantástico, os Trágicos, composto por Mathias Wunder, Diogo Fujimura, Yuri Ribeiro, Pedro Sarmento e Gabriel Canella, merece todo nosso aplauso pela garra, força de vontade, entrega e vaidade na medida certa. Afinal, estamos falando de atores, e a vaidade é necessária!!! Os cinco sabem se doar, com generosidade e parceria, ao colega, sabendo a hora do outro brilhar e a sua hora de envolver a plateia. Não há destaque entre eles. Todos estão ávidos por mostrarem seus trabalhos e sabe a hora de fazer. Sem pisar no colega de cena, sem estragar o texto pesquisado, sem maltratar a perfeita direção.


Me perguntaram esta semana se havia algum espetáculo de comédia, daquelas de passar mal de rir, em cartaz no Rio. Não sabia responder até assistir a Hamlet ou Morte. Pois aí está. Vá ao teatro, morra de rir, compartilhe do talento desta nova geração de atores que estão vindo com tudo para mostrar que o teatro está muito vivo! Aplausos de pé com cãibra nas bochechas de tanto rir!!