Toda vez que é aprovado um novo integrante do Clube da
Letra, imediatamente este tem que escolher o patrono da cadeira que irá
defender. Tal qual a ABL, nós, celetristas, escolhemos aquele que nos
identificamos de imediato com a forma de escrever. Este pobre e de meia idade
blogueiro escolheu ninguém menos do que Nelson Rodrigues. Por amor ao seu texto,
sua forma ácida de contar a vida doméstica como se olhássemos pelo buraco de
fechadura. Toda família tem um podre, Nelson já sabia. O que me encanta em seus
textos é retratar a realidade do Brasil, mais do Rio de Janeiro, na época em
que escrevia (anos 60 – 70). Uma enciclopédia comportamental, prato cheio para
psicólogos.
Está em cartaz no Teatro III do CCBB, o penúltimo espetáculo
escrito por Nelson Rodrigues, “Anti-Nelson Rodrigues”. A história gira em torno
do filho bon vivant, paparicado pela mãe, detestado pelo pai e dono de um
machismo típico. Acontece que o presidente de uma das empresas do pai, morre, e
o filho pede à mamãezinha querida que dê à ele o cargo. Por outro lado, uma
moça de família, que vive com seu pai e uma empregada doméstica, noiva,
recatada, virgem e religiosa, consegue emprego na mesma empresa. Ora, já se
pode imaginar o que acontece. O jovem conhece a mocinha, tenta de tudo leva-la
para a cama, cortejando-a e amedrontando-a, até mesmo comprando-a e ao seu pai.
Daí que ele não para de pensar nela e sua vida passa a girar em torno desta
conquista. Como acaba esta história, só indo ao teatro para saber. Mas já digo:
é Nelson Rodrigues da melhor qualidade!
No pequeno teatro, o ótimo cenário de Pati Faedo representa,
com seu piso de tacos parquet, as casas e empresas da época. Duas cadeiras, uma
mesa de secretaria e uma cama compõem os ambientes. Um cenário ótimo, pois nada
além disso é necessário. A cadeira elegante para o escritório impõe imponência,
a cadeira simples para a casa da mocinha, mostra o quanto aquela família
precisa do emprego da fila. A cama típica, a mesa com gavetas, são perfeitas. O
figurino de Nivea Faso está também de acordo com a época e permite a livre
movimentação dos atores, bem como caracterizar cada personalidade. Gosto muito
também da iluminação do sempre ótimo Luiz Paulo Neném. Focos, momentos, espaços
delimitados completando a cenografia. A trilha sonora é executada pelo pianista
Francisco Pons com direção musical de Mauro Berman.
Os atores seguros, com atuações inteligentes e bem ao estilo
rodriguiano. Juliana Teixeira, ótima,
faz a mãe protetora do filho, interpretado com dignidade e malandragem
necessária por Joaquim Lopes. Química perfeita entre os dois. Yasmim Gomlevsky
é a heroína que foge o tempo todo dos ataques do mimado jovem presidente. Sua
composição é recatada quando necessário e acreditamos naquele personagem.
Rogério Freitas é o pai, que sofre com a indiferença do filho, rival e quase
inimigo. Rogério se entrega e se desnuda de vaidade e merece todos os aplauso.
Gustavo Damasceno e Carla Cristina, em papéis ricos, mesmo coadjuvantes,
conseguem marcar presença cada vez que se apresentam para contar a história. E,
não menos importante, Tonico Pereira. Sou fã, seguidor, admirador e, por isso,
vê-lo em cena é um presente para o teatro carioca. Tonico precisa estar mais
vezes em cartaz. Suas atuações são sempre uma aula para todos.
Comandando o espetáculo, Bruce Gomlevsky vem se firmando
como um dos grandes diretores da atualidade. Preocupa-se com a direção de
atores e a do espetáculo na mesma proporção. Em “Anti-Nelson Rodrigues” seu
trabalho é merecedor de indicações a prêmios de teatro. Firme, ágil, moderna.
Excelente o momento em que, no palco estão três atores: a cena com a mãe, em
casa, é alternada com a do subalterno, na empresa. Sabemos perfeitamente onde
se passa cada ação sem nos confundirmos.
Ter Nelson Rodrigues encenado deveria ser obrigatório e
constante. Além de servir como inspiração para jovens escritores, ver atuações
e direção como esta só nos orgulha do nosso teatro. Que felicidade poder
assistir a este “Anti-Nelson Rodrigues”, que só teve uma única montagem em 1974
e depois esquecido. Felizmente, Juliana Teixeira, pela produtora Nova Bossa,
nos traz este Nelson da melhor qualidade. Vida longa ao espetáculo! Imperdível.
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