terça-feira, 19 de outubro de 2021

NINGUÉM DIRÁ QUE É TARDE DEMAIS


     Demorei a escrever sobre a peça, mas... Ninguém dirá que é tarde demais!
 
     Assisti na última quinta-feira ao espetáculo “Ninguém dirá que é tarde demais”, em cartaz no grande Teatro Riachuelo, com texto escrito por Pedro Medina, neto de Arlete Salles. Os dois dividem o palco com Edwin Luisi e Alexandre Barbalho, filho de Arlete! Reunião de família!

     Também fui daqueles que sofreram, e sofrem, com o isolamento social... dos vizinhos!! Tenho uma santinha criança que chora desde março de 2020 todos os dias, sem pular nenhum, quando o assunto é banho. Deus abençoe esses pulmões! De março pra cá, bati panela na janela às 20h30, acendi lâmpadas de celular na janela às 19h, rezei ave-maria na janela às 18h, peguei sol na laje, cuidei de plantas, apanhei de mosquitos às 16h. Reduzi o número de convivas a uma mão aberta. Aglomerações apenas de máscara, e só depois da chegada da vacina, com, no máximo, 6 pessoas. O distanciamento social me pegou de tal jeito que, ainda agora, quando tudo parece voltar ao normal, não tenho vontade (nem coragem) de encarar os humanos (sem me colocar em destaque). Não me sinto melhor, nem pior. Só gostei demais de ficar sozinho.

     Acredito que a hora de falar sobre pandemia seja agora. Daqui a um ano, já será assunto requentado e lembrar de sofrimento, ansiedade e desesperança não será de bom tom. Jamais esquecer as atrocidades que sofremos com a governança deste momento. A peça diz isso. Somos todos culpados pelo péssimo momento que o país vive. Todos. Somos. Culpados.

     A história conta a relação entre familiares obrigados a conviverem na pandemia. Avó e neto, pai e filho. Vizinhos que suportam o som alto, o cheiro da comida, as roupas na portaria. As impressões de cada um sobre a vida, sentimentos e relações interpessoais são muito bem fundamentados no ótimo texto de Pedro Medina. A carta que a avó escreve ao neto é de uma poesia, um primor literário, pouco visto nos textos atuais em teatro. (Atuais? Tá... de antes da pandemia!) A dramaturgia tem embasamento, boa construção de personagens e ações. Talvez longa demais para nós que estamos acostumados ao sofá, mas, por outro lado, estamos na poltrona, e a alegria de estar no teatro supera o tamanho da peça de quase 2 horas. Mas, antigamente a gente não se importava com isso... é... eu envelheci e o mundo mudou!

     Dirigida por Amir Haddad, os atores são convidados a contracenarem com distanciamento social, mesmo que vacinados e testados. Ponto positivo! Apenas nos intervalos de cena, dançam timidamente juntos. Gosto muito de os atores estarem em cena, sem serem personagens, aguardando a vez de falar. Com isto, a ocupação do palco é inteligente. Destaque também para o casamento ótimo com a direção musical de Lúcio Mauro Filho. Eu chorei, cê acredita? A cenografia é do mestre José Dias, o figurino de Carol Lobato e a iluminação de Aurélio de Simoni. Trio pra lá de experiente e premiado que sabe muito bem que o que precisa brilhar nesta peça é o texto.

     Edwin Luisi é sempre certeiro nas suas construções. Aqui faz um personagem que sofre a falta do trabalho e do dinheiro, mas mantém o berço da cultura e educação. Alexandre Barbalho, que faz o filho de Edwin, é seguro na sua interpretação. Pedro Medina faz um neto que abusa do direito de morar na casa da avó e que merece umas palmadas. E Arlete. Arlete Salles. Sempre uma aula de interpretação, generosidade, confiança e amor à sua arte. Vê-la em cena, no melhor espetáculo da temporada, é uma alegria imensa.

    Destaco mais uma vez o texto da peça. Ali no palco reflete-se o que passamos (estamos passando) e o que ficará para a história e a memória do teatro. Uma fotografia fiel deste momento brasileiro pandêmico. Um espetáculo de excelente qualidade que prova que o teatro está mais vivo do que nunca (apesar das tentativas de destruir a cultura brasileira) e sempre existirá assunto para ser discutido e encenado. Vida longa a “Ninguém dirá que é tarde demais”. Viva o Teatro!