


De uma hora pra outra, um corte abrupto, seco, muda sua vida. Um copo que quebra no chão da cozinha, um carro avançando sobre uma calçada, um marido que pede a separação, a mãe que pari, o filho que se suicida. Um corte seco. As vezes profundo, as vezes superficial, mas seco, sem chance ao retorno.
Tive contato com a teoria do caos e uma das coisas mais simples que me ensinaram é assim: vc tem um balde cheio de tinta branca e vc joga uma gota de tinta preta. Pronto, está instalado o caos. As micro gotas vão se espalhar por aquela tinta branca e voce jamais irá conseguir desfazer esta bagunça causada por uma simples gota. Um corte seco.
Em cartaz no Teatro Maria Clara Machado, depois de ter viajado Brasil a dentro e ter estreado no Sérgio Porto, Corte Seco é um exercicio de ator, e de diretor, criado por Christiane Jatahy, onde histórias nossas do dia a dia, reais, imaginadas e verdadeiras nos são apresentadas e cortadas pela diretora, que como uma editora, pára ou deixa continuar aquela troca de sentimentos entre os atores e os personagens.
O bom da peça é que se pode assistir várias vezes ao espetáculo e sempre haverá um corte seco novo. Também, com um elenco que se entrega de corpo e alma ao que faz, Christiane tem as suas mãos um espetáculo criativo, inovador, divertido, emocionante e, acima de tudo, rico em diálogos. Várias cenas me deixaram boquiaberto. A dos irmãos discutindo sobre um pai moribundo (onde Du Moscovis e Ricardo Santos levam a platéia às lágrimas), a do casal sacana onde a mulher se deixa estuprar pelo marido (também Ricardo Santos e Cristina Amadeo numa entrega totalmente despudorada) e a do filho que tenta a todo custo ser ouvido pelos pais (num excelente "triálogo" entre Cristina Amadeo, Leonardo Neto e Paulo Dantas).
A peça é dirigida com mãos de ferro e mãos de fada. Os cortes não são tão rigidos assim, mas a cada um deles, os atores ficam em posição de "sentido!", totalmente serios e concentrados em suas ações, pois elas podem voltar a acontecer no minuto seguinte. Gosto muito desse jogo proposto aos atores. Gosto muito da direção segura e certeira de Christiane. Ela sabe onde quer chegar, onde vai dar essa peça. Incrivelmente bom.
Os atores, TODOS, estão totalmente entregues a este jogo proposto. No dia que assisti, Du Moscovis, Marjorie Estiano, Ricardo Santos, Felipe Abib, Paulo Dantas, Cristina Amadeo, Leonardo Neto, Stella Rabello e Branca Messina se completam, se ajudam, se apoiam, se entregam e representam seus papéis com intensidade total, entrega absoluta. Lembrou-me de um exercicio de confiança que fica uma pessoa no meio da roda, tipo João-Bobo e quem está em volta nunca pode deixar o do meio cair. Confiança, afinidade, parceria. Não sei se na cochia a coisa é igual, mas pra nós, espectadores a entrega é incrivel.
Gosto do cenário composto de cadeiras com as formas de se falar um assunto (Narrar, Descrever, Dialogar...), gosto das fitas crepes no chão, causando o caos do pingo da tinta preta na água branga, gosto das imagens captadas fora do teatro e no camarim, exibidas ao vivo em tvs de plasma, é o teatro saindo da caixa preta e invadindo os espaços publicos e, por que nao, privados dos atores.
É uma peça para quem gosta de teatro, sabe jogar com palavras, tem interesses em vasculhar a vida dos seres humanos e seus comportamentos. Eu recomendo mesmo que assintam a este espetaculo dispostos a entrarem no jogo teatral e no jogo da vida.
Garanto que este espetáculo será um corte seco na vida de quem assistir. É um marco, pra mim, na forma de se apresentar no palco, é um espetaculo que tem um diferencial e por isso é genial, inteligente e brilhante. Parabéns a todos.
Mais informações no site - http://corteseco.com
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