Faço parte de um clube literário desde 2002 e a palavra "heterônimos", inventada por Fernando Pessoa, já escuto desde então. Um dos fundadores do Clube da Letra, doutor Antônio Chibante, natural da cidade do Porto, e que viveu na mesma rua que o poeta, é tão apaixonado por Fernando Pessoa, que escreveu um livro chamado "Um jantar com Fernando Pessoa" (Ed. Ao Livro Técnico - 2010) - lançamento dia 28 de junho na Travessa de Ipanema), no qual narra uma "experiência" extra- terrestre (ok, peguei pesado), uma experiência psicografada seria melhor, sobre um jantar de Fernando Pessoa com uma fã. Nesse jantar, eles conversam até mesmo sobe os heterônimos de Fernando e o que cada um traz de bom e ruim sobre Fernando Pessoa.
Está em cartaz no Teatro do SESI, no centro do Rio, a linda homenagem a Fernando Pessoa, a peça "A Naturaza do Olhar", que conta a história do "encontro" entre Alvaro de Campos e Alberto Caeiro, dois "fernandos pessoas" diferentes, dois heterônimos do poeta, que chegava ao requinte de terem formas de ecrever, personalidades e tipos fisicos totalmente diferentes deles mesmos e completamente diferentes de Fernando Pessoa.
O texto da peça é baseado no tal encontro, que de fato é uma troca de cartas, ou "Notas de Recordação para meu Mestre Caeiro", que Alvaro de Campos escreveu (isto é, Fernando Pessoa). A adaptação é de Elisa Lucinda e Geovana Pires que sabem muito bem conduzir o texto a favor do espetáculo. Nada está ali por acaso, tem uma lógica dramatúrgica adaptada para que as "notas" não sejam simplesmente uma transposição das notas para o palco. Tem trama, tem desconfiança, tem suspense, enfim, tem teatro.
A direção é um mix. Daniel Rolim assume uma assistencia de direção e Amir Haddad assina uma supervisão de um texto pra lá de inserido nas almas das atrizes, ocupando bem o espaço cênico, usando a cenografia e o figurino a favor do espetáculo, criando pequenos climas e deixando as atrizes bastante a vontade para conduzirem a peça por um caminho só delas.
O cenário de Colmar Diniz e Maria Duarte é bastante interessante. Sem mais do que necessário, usa dos tons de madeira e areia, é funcional e consegue nos dar a exata dimensão da distância imaginária que cada heterônimo tem do outro, consegue separar espaços, mesmo estando tudo ali ao alcance das mãos. Gosto muito do cenário. O figuirnos também da dulpa é bonito. E a luz eu diria que é um espetáculo à parte. Assinada pelo sempre excelente Djalma Amaral, dá vida ao cenário e às atrizes. Tem uma cena de um luar entrando pela janela que é deslumbrante no palco, entre outros tantos momentos ludicos e coloridos. Palmas de pé para Djalma.
Giovana Pires e Elisa Lucinda contribuem e muito para que estes dois heterônimos sejam conhecidos pelo grande publico teatral. Estão completamente à vontade em cena e saboreiam o texto e as marcas com precisão e prazer. Elisa Lucinda tem uma empatia maior com o público, talvez acostumado com seu tom irônico-divertido conseguido com "Parem de falar mal da rotina" e muitas vezes esse mesmo publico, esperando se divertir com o humor ironico da outra peça, fica esperando ela soltar qualquer piada para dar uma gargalhada histérica. E mesmo assim, Elisa Lucinda consegue fazer seu publico entender que o assunto agora é outro. É poesia, é prosa, é Pessoa. E o público entente isso e embarca na história querendo mais e mais. Geovana Pires é uma cúmplice e sabe que o povo esta lá por causa de Elisa Lucinda e faz desse limão uma limonada, dando ao público lindas intrepretações sobre poemas e poesias do mestre Fernando Pessoa e, ao fim, sendo aplaudida, merecidamente, de pé.
Pra quem gosta de Elisa Lucinda, poesia, Fernando Pessoa e teatro, este espetáculo é a dica boa do fim de semana. Linda homenagem aos heterônimos de Fernando Pessoa. Uma aula de cultura, de pesquisa, de qualidade profissional de toda a equipe.
Abaixo, eu e Fernando Pessoa - Lisboa, fevereiro de 2009.
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