Atire a primeira pedra quem nunca falou mal da vida alheia! Atire a segunda aquele que nunca foi alvo de alguém falando mal de sua vida! Quer coisa mais divertida do que sentar na praça e imaginar a vida das pessoas que passam, mesmo sabendo que não é nada verdade? Isso até pode, mas se sentar com amigos para falar mal da vida de outros amigos e ainda contar mentiras como se fossem verdades, não pode! E está escrito na constituição: difamação é crime! Ah, mas vá lá, desde que não cause nenhum desgosto ou interfira na vida econômica da vítima, tudo é permitido! Hoje em dia as revistas de fofoca vivem deste falar mal da vida alheia, vendendo muitos exemplares! E o que é o Big Brother se não uma Escola de Escandalo, onde o prazer alheio é falar mal de alguém até colocá-lo num fictício paredão? Realmente, viver hoje em dia é perigoso... mas em 1777 quando a peça foi encenada pela primeira vez, também era!!
Está em cartaz no Teatro Tom Jobim, no Jardim Botânico, A Escola do Escândalo. O texto de Richard Sheridan é traduzido, adaptado e dirigido por Miguel Falabella. Richard Sheridan escreveu para teatro, foi dono de um teatro e morreu na pobreza em julho de 1816. Quem sabe Feydeau (Paris, 8/12/1862 a 05/06/1921) não tenha se inspirado em Sheridan ao escrever seus "vaudevilles" (gênero de comédia datado da França, EUA e Canadá no século XIX)? A diferença entre um Feydeau e a peça de Sheridan é que o primeiro sempre se baseava em um "furdunço-em-cadeia" causado por um mal entendido. Já na A Escola do Escândalo o que existe mesmo é uma tramóia com a finalidade econômica, pois o "se dar bem" às custas dos outros é o que impera, inclusive passando-se por cima das paixões. Porém o "furdunço-em-cadeia" acaba acontecendo como se fosse um "vaudeville". E quando se tem tradução, adaptação e direção por parte da mesma pessoa, tudo fica harmônico, pois os três "serviços" conversam entre si dentro de uma cabeça privilegiada como é a do Miguel.
Ainda sobe o texto, gosto do prólogo em versos, o que nos prepara para o texto em prosa a seguir, e o epílogo, também em versos, que dá o laço na história. Gosto da peça dividida em 10 atos curtos, onde os próprios atores indicam a mudança de cena, se fazendo de cúmplices da platéia e conduzindo a história. E mesmo assim, vão-se 3 horas de espetáculo com intervalo no meio. Miguel usa-se de expressões de época, mas sábiamente amenizadas, e se permite, ao final da peça, dizer o único palavrão - muito bem encaixado - que contém o texto. Miguel ainda brinca com nomes proprios que indicam a condição de cada personagem: "de Fachada", Benferina, Mordessopa, Barata, Atiça e Cíntia Grana (a agiota)!
Sua direção é facilitada por um elenco experiente, um texto que por si só é divertido e inteligente, e por uma equipe técnica impecável. Mas reger esta orquestra dá um trabalho enorme. Acertar as entonações das palavras, olhares fugidios, posicionamento em cena, e ainda ter que administrar os humores dos humanos é realmente um talento nato! Diferente das comédias de besteirol e de humor fácil, nesta peça, Miguel tem uma mão mais firme para que tudo seja delicado e sem exageros, pois o humor é o conjunto, é o ridículo da sociedade e não vôos solos de elenco. Esta peça tem uma direção na medida certa que administra os exageros-possíveis, mantendo tudo num nível altíssimo de dramaturgia e de bom humor.
O elenco, de minissérie, conta com Ney Latorraca, divertidíssimo, mas prejudicado pela acústica do teatro que faz com que percamos algumas de suas palavras ricas; Maria Padilha, num dos seus melhores papéis, faz uma linda cena de mulher arrependida e tem o tom certo da comédia; Bruno Garcia, Guida Viana e Chico Tenreiro sempre excelentes; Rita Elmôr aproveitando cada detalhe do personagem, olhares, caminhar, saboreia o texto; Edi Botelho totalmente a vontade no palco; Bianca Comparato bastante confiante; Armando Babaioff o galã incompreendido; e Jacqueline Laurence impagável com suas tiradas - "Língua não tem osso!"
A equipe técnica riquíssima de nomes bons tem no figurino de Emilia Duncan, no Cenário de Lia Renha e na luz de Orlando Schaider motivos de sobra para prêmios teatrais. Um caso realmente à parte são os figurinos. Riquíssimos em detalhes, das meias às perucas, dos adereços às cores. Uma beleza! Um dos personagens, o Barata, tem em seu figurino duas asas! O cenário da Lia muda o desenho do fundo de acordo com os ambientes, sem falar nos três espelhos-espiões e no chão que gira. Coisa rara em nossos palcos. E a criativa e moderna ribalta de luz? Linda! Um balé é a direção de movimento de Márcia Rubin. E tudo isso sob cuidados de Zé Luiz Coutinho, produtor dos melhores espetáculos que o Rio de Janeiro tem visto atualmente.
Graças a Deus um espetáculo de qualidade que há tempos o Rio de Janeiro não via. Inteligente, divertido, humor ferino e criativo. É o "Teatrão" em seu melhor exemplo!
Vá ao teatro!
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