Muito se cobra uma “autocritica” do PT aos anos de seu
governo. As notícias divulgadas e deturpadas pela imprensa ajudaram a transformar
a opinião pública. Obviamente erros foram cometidos e o partido sabe. Mas o
estrago foi tamanho que se tornou difícil acreditar na versão correta. As
perguntas que me faço: valeu à pena ter se alinhado à bancada da bíblia para se
manter no governo? Foi realmente necessário se alinhar ao eterno PMDB para conseguir
reeleições? Queríamos mudar o Brasil a qualquer custo, mas nos esquecemos da parceria
com o povo? E então vieram as traições. Quando a fonte secou, “agora chega”, os
aliados viraram as costas, contaminaram os ouvidos e deram o golpe. Em qual
tempo, data, ano, dia, erramos?
A brilhante Inez Viana, conhecedora da obra de Ariano
Suassuna desde 1998, nos apresenta, em cartaz no Teatro FIRJAN SESI, o inédito
texto Auto de João da Cruz. “História de um homem ambicioso que, em busca de
poder e riqueza, vende sua alma ao diabo, comete os mais horrendos crimes”,
como diz o programa da peça. Faço aqui um paralelo ao primeiro parágrafo. Teríamos
nós, e aí me incluo por votar no PT desde sempre, sidos ambiciosos ou ingênuos
por achar que os aliados de bíblia e do boi seriam nossos parceiros para mudar
o país? Auto de João da Cruz é tão atual que estamos vendo no dia a dia pessoas
vendendo sua alma ao “novo diabo”, que há 30 anos parasita o governo, acreditando
nele, em busca de uma melhora para suas vidas. É como disse Mário Lago Filho “um
povo que, quando estava prosperando, achava que estava na merda e que agora,
quando está na merda, acha que está prosperando” ...
Auto da João da Cruz conta a história de um rapaz que
encontra poder e riqueza fácil pedindo apoio do diabo. Seu anjo da guarda o protege
o tempo inteiro. O rapaz comete vários e graves crimes. E, no fim, como um bom
Auto, o julgamento acontece. Numa pesquisa rápida, aprendo que “Surgida na Idade
Média, na Espanha, por volta do século XII. De linguagem simples e extensão
curta os Autos, em sua maioria, têm elementos cômicos ou intenção moralizadora.
Suas personagens simbolizam as virtudes, os pecados, ou representam anjos, demônios
e santos.” Em Auto de João da Cruz temos todos estes elementos com muito humor brasileiro
e recheado de referências que estamos vivendo em nosso dia a dia.
No palco, o cenário de Nello Marrese deixa espaço
aberto para as mais variadas cenas. Dois grandes arbustos de galhos secos
mostram claramente que a peça se passa no nordeste brasileiro. Destaque para os
cajados de bambu que viram caminhos e encruzilhada. O figurino de Flávio Souza abusa
de tecidos leves e de algodão com ótimo resultado. Iluminando tudo a talentosa,
e em franca ascensão, Ana Luiza de Simone. Uma luz linda. Destaque também para
a direção de movimento de Denise Stutz.
O elenco, parte da Cia OmondÉ, que com este
espetáculo celebra seus 10 anos de grupo, é encabeçado por Zé Wendell. Todos os
elogios a ele por este trabalho são válidos. Zé Wendell tem neste espetáculo sua
melhor atuação em peças de teatro que eu já o tenha assistido. Muito seguro,
entregue de corpo e entranhas, seu João da Cruz é de uma verdade contagiante.
Prêmios virão. Junior Dantas ótimo como Anjo da Guarda, André Senna como Cego e
o diabo, Tati Lima como Retirante e mãe
de João da Cruz, Leonardo Brício como Guia, Elisa Barbosa como a doce e forte
Regina, Luiz Antônio Fortes como Anjo Cantador (numa cena linda cantando para
dizer umas verdades a João da Cruz) e, não menos importante, Iano Salomão como
Peregrino, pai e Deus, formam este elenco afiado, competente e talentoso.
Inez Viana assina a condução da Cia OmondÉ e de Auto
de João da Cruz. Uma direção segura, ciente do que quer mostrar, homenagear não
só Ariano Suassuna, como mostrar a realidade da vida atual através de uma grande
metáfora teatral. Inez faz de suas marcas um balé. Destaque para o presépio
feito com atores e cajados, as cenas de encruzilhada, as idas e vindas de João
da Cruz ao inferno, a utilização da boca de cena aproximando o público, e o
emocionante final onde a plateia decide o destino do protagonista. Uma direção muito
forte, intensa, sábia, dedicada e consciente.
Corra já para o Teatro FIRJAN SESI para assistir Auto
de João de Cruz. Certamente você sairá de lá pensativo e leve. As gargalhadas
são muitas, mas a reflexão intensa. Até que ponto nós vendemos nossa paz ao
diabo em busca de algo fácil e rápido? Façamos todos uma autocritica sobre como
estamos pensando nosso país, para onde queremos que ele vá. Sejamos todos
nossos próprios julgadores, nossos anjos da guarda e nossos desafiadores.
Abramos nossos corações para o Teatro do Nordeste, pois é de lá que virá o próximo
salvador da pátria. Afinal, somos um país que acredita nesta figura. Que venha
montado em seu cavalo branco e que traga muito teatro, arte, alegria, diversão
e realização de sonhos. Vida longa ao Auto de João da Cruz e aplausos à cia
OmondÉ pela beleza de seus espetáculos ao longo dos seus 10 anos.
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