domingo, 14 de novembro de 2021

O DRAGÃO



   As fábulas são formas de se contar histórias colocando o espectador, o ouvinte, em estado de atenção e imediata identificação. Voltamos a ser crianças quando estamos diante de uma fábula. E é aí que mais aprendemos e entendemos o assunto que está sendo tratado naquele momento. Gosto de virar criança em teatro mesmo em peça adulta. É quando mais me sinto envolvido pelo trabalho. Este é um dos espetáculos em que voltei a ser criança, sem deixar de ser um ser economicamente ativo e pensante.

    Está em cartaz no Armazém da Utopia, ali no porto maravilha do Rio, armazém dedicado às artes, o espetáculo “O Dragão”, com tradução é de Maria Julieta Drummond de Andrade. O novo espetáculo da Cia Ensaio Aberto - que de ensaio aberto não tem nada - é profissionalismo da melhor qualidade.

    A peça, “uma fábula que narra a história de um povo que não conhece a verdadeira liberdade”, foi escrita pelo russo Eugène Schwartz, em plena segunda guerra mundial. Era uma forma dele mostrar tramoias, acordos, mentiras do reino, aceitação dos absurdos cometidos pelos governantes, a passividade do povo, a esperança renovada com chegada de um salvador da pátria, um novo líder que se dispõe a eliminar o domínio do mal e propor que o povo governe de acordo com suas necessidades. Não sem antes lutar. Tem muitas outras coisas ditas nas entrelinhas da peça, no resultado final, no comportamento do elenco, na direção, no cenário. O que marca é a esperança de que, com a união conseguiremos nos livrar de qualquer mal que nos escraviza. 

    Luiz Fernando Lobo é o diretor da grandiosa montagem. Acerto total para o preenchimento do espaço, a composição das cenas com os atores e cenários e a calma e o respeito com a palavra que se está sendo dita, deixando claro ao público os seus objetivos. Os belíssimos figurinos são assinados pela dupla craque Beth Filipecki e Renaldo Machado; a luz de Cesar de Ramires é um personagem à parte e utiliza de sombras, focos e explora todo o espaço do galpão. Mas é o cenário de J.C. Serroni que traz a grandiosidade e a imponência deste espetáculo. Cinco grandes estruturas, sendo que 4 móveis, são movimentadas por atores e contra-regras, devidamente vestidos como personagens e que promovem encaixe perfeito no espetáculo. Grandes estruturas que andam com leveza. Os adereços de Eduardo Andrade/Arte5 e os efeitos aéreos de Claudio Baltar abrilhantam mais ainda a peça.

    O numeroso elenco, coeso, animado, de grande competência e capacidade tem como principais o próprio Luiz Fernando Lobo (ótimo Dragão), Toca Moraes (a Gata perfeita), Claudio Serra (Burgomestre impecável!!!), Leonardo Hinckel (o salvador da pátria Lancelot), Luiza Moraes (a mocinha Elisa) e Aruam Galileu (competente Henrique). Ainda completam o elenco 14 atores que são coro, povo, operários, guardas, tropa de choque... infinitos personagens! Um elenco de altíssimo nível e entrega.

    Poucas vezes senti vontade de gritar “bravo” ao final de um espetáculo. Gosto de muitas peças que assisto. Desgosto de outras - é natural - mas sempre tem algo de bom para se tirar e aprender quando o que foi mostrado não agrada. Sei do trabalho que dá produzir. Mas o ápice é o “bravo”, é tipo perfeição. É quando a emoção fala além de mim. Devo ter gritado umas cinco vezes na vida o tal do “bravo”. Portanto, cá estou eu novamente a gritar BRAVO! Gritei ao final da apresentação e grito aqui em letras garrafais. BRAVO!

    Saí da apresentação em êxtase, feliz, satisfeito, pronto para uma luta armada, cheio de esperanças para continuar produzindo, escrevendo, fazendo arte, para que esta nossa luta contra o governo atual que nos odeia não seja em vão. Este espetáculo é imperdível em todos os sentidos. É o maior e melhor espetáculo de teatro desta temporada. O melhor recomeço depois da terra arrasada pela pandemia. Tudo que precisamos neste momento. Esperanças renovadas. Obrigado e vida longa a O Dragão. BRAVO!! 


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