Está em cartaz no Teatro Gláucio Gil, quintas e sextas às 20h, o espetáculo Donatello. Vitor Rocha é o autor do texto, das letras e o ator da história sobre o momento entre o início da doença, a evolução, como ficam os familiares, e como isto impacta na vida de quem sofre com o mal e dos parentes próximos. A peça já começa falando sobre lembranças, memórias e recordações. Vitor busca apoio da plateia para palavras e nomes que marcam a vida de alguns espectadores. As lembranças vão surgindo em nós antes mesmo do inicio da história. E nos 5 primeiros minutos, eu já estava me controlando para não virar um vale de lágrimas ali mesmo, sem nem mergulhar no que viria a seguir.
O personagem principal começa como criança que sempre vai a uma sorveteria com o avô. Ambos têm no sorvete seu “alimento” favorito. E é justamente neste local de boas memórias e sabores que a doença se manifesta pela primeira vez. Ao entender a situação, dias depois, resolve ajudá-lo, não com a sua recuperação, mas não perder as suas memórias, lembranças. O que ele faz? Associa sabores de sorvete a lembranças boas. Assim, ao tomar aquele sorvete, daquele sabor, imediatamente se recordará do momento importante registrado e nominado. Memórias.
Vemos o menino sofrer com a mudança do comportamento da família, principalmente do avô. Vemos o menino se tornar adolescente, adulto, começar a trabalhar, abrir mão dos estudos para cuidar do avô, ajudar em casa. A convivência com seu pai, que está sofrendo a mudança do pai dele (avô do menino) é tratada na peça de forma bonita e verdadeira.
A que ponto, qual a quantidade de amor que temos e podemos doar para alguém em troca de nossa vida própria? O personagem se doa para o avô de uma forma tão humana e tão bonita que nos faz pensar o quanto ruim e desatentos somos com nossos pais, parentes, amigos, amores.
A cada nova história vivida pelo personagem, a cada boa memória construída, um sabor de sorvete é associado a ela.
Vitor também criou as letras das músicas que completam o texto da peça. Criativas, divertidas e com um perfeito toque de espetáculos musicais, divide com Elton Towersey a ótima trilha sonora da peça, muito bem tocada por Felipe Sushi no teclado. Felipe também participa em alguns momentos da peça como elenco de apoio em perfeita sintonia com Vitor. O design de som é de Paulo Altafim.
Cabe à Victória Ariante a direção da peça. Victória cria ótimas marcas, usa todo o espaço cênico, aproveita os móveis, abusa da boa vontade do pianista! Mantém a forma doce e contida do menino ao longo de toda peça, mesmo o personagem se envelhecendo. A gente percebe que o menino ficou parado naquela sorveteria no dia do primeiro esquecimento do avô. Victória constrói o espetáculo antes do terceiro sinal e faz com que todos nós transbordemos de emoção durante e depois da peça.
E Vitor Rocha, com sua atuação, nos apresenta e presenteia com um menino que acompanha o desenrolar da história sob os olhos do adolescente e do adulto. E isto passa para a plateia. Não sei se o objetivo era esse, ou se o mega carisma de Vitor Rocha nos faz acreditar que o menino da história é parte dele (do ator). Carisma e talento de um ator, autor e letrista que já já estará nas telas de cinema ou streaming, e ainda com espetáculos consagrados nos teatros brasileiros.
Vitor e Victória... Vitoriosos. (Trocadilho ridículo da piada de salão daquele tio do pavê...)
Donatello é um monólogo musical onde a emoção, a memória, o talento, delicadeza, afeto, descoberta e sensibilidade andam de mãos dadas. Confesso que tive que me segurar várias vezes para o choro não vazar pelos olhos. Mas por dentro, eu tava... E isto é um ótimo sinal. A peça toca, comunica, explica, envolve. Todos temos memórias e sentimos aquele medo de perde-las. O que somos sem nossas histórias, conhecimentos adquiridos, vivência, experiências guardadas? Meu segundo maior medo – altura sem proteção vence – é perder a memória. A peça usa o Alzheimer para falar sobre comportamento, conexões e como devemos usar e abusar de estar perto de quem escolhemos e nos escolheram para estar do lado.
Aplausos também para Lucas Drummond (diretor de produção) e Ana Paula Marinho (produtora executiva) que trazem esta beleza de espetáculo para o Rio de Janeiro, no ótimo Teatro Gláucio Gil. Sem sombra de dúvida, um dos melhores espetáculos que já passaram por esse palco. Emoção garantida, sentimentos renovados. Aplausos de pé. Viva o teatro!!
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