Tenho conversado com autores de teatro que vou produzir, que
precisamos produzir um teatro onde a plateia saia de lá pensativa, questionando
sobre o que acabou de assistir. Acredito que a função principal do teatro é
deixar algo para quem assiste. Algo que a modifique, que a complete. Não apenas
entretenimento, mas um exercício do questionar, do pensar. Gosto de espetáculos
que me fazem sair com vontade de ficar horas falando, exemplificando, conjecturando.
Assim é no espetáculo “JT - Um Conto de Fadas Punk”, que
está em cartaz no Teatro I do CCBB, no Rio de Janeiro. Fui com um amigo e, na volta para casa, no
taxi, falamos muito sobre os personagens que superaram seus autores, e ganharam
vida própria. Se perguntarmos a alguém na rua quem foi Arthur Conan Doyle ou
J.K. Rowling, ninguém saberá dizer. Mas se falarmos em Sherlock Holmes e Harry
Potter, até uma criança de 4 anos de idade saberá a resposta. A discussão é
exatamente esta: quem é mais importante, o autor ou a criatura?
A peça JT discute exatamente esta questão. Uma autora cria
um personagem que escreve livros. Os livros viram sucesso, ela inventa o autor
contratando uma pessoa comum para se passar por ele (e por ela) e aí... o
personagem ganha vida e a autora se revolva. O personagem se revolta e a autora
se impõe. O texto genial de Luciana Pessanha nos faz ficar de olhos abertos e
orelhas mais ainda para não perdermos o rumo da prosa. É bastante acertada a escolha do punk para
conduzir o tema. Traz para um universo diferente uma discussão intelectual.
A direção de Susana Ribeiro com Paulo José, na direção geral,
é ágil, elegante e valoriza o trabalho dos atores e do texto que está sendo
dito. Sem a pressa em chegar ao fim, com o prazer de deixar a plateia se
envolvendo aos poucos com a história e torcer por um ou pelo outro lado. Torcer
pela cria ou pelo criador. Eu torci pelo criador. Claro, pois sou escritor!
O barato da montagem é o criativo, mecânico e moderno
cenário do mestre Fernando Mello da Costa. Com destaque para os painéis retráteis
e as projeções, de Rico e Renato Vilarouca, que aproveitam muito bem o pequeno
espaço cênico. O figurino da sempre elegante Kika Lopes é moderno, brincando com o preto e o branco. A luz do Renato Machado ora brinca
com show, ora brinca com realidade, completa o cenário, define espaços, clareia
ideias. Bacanas também são os arranjos e a trilha sonora da peça, direção de
Ricco Viana, pois o que se espera é barulho, mas ali temos musica.
No elenco, Débora Duboc e Natália Lage rivalizam na melhor
atuação, defendendo seus personagens, criador e criatura, respectivamente, com
unhas e dentes. Grandes atrizes para papéis que marcam a dramaturgia e o teatro
carioca neste primeiro semestre. Ainda no elenco, Roberto Sousa, Nina Morena e
Hossen Minussi, são carismáticos e competentes, levando seus personagens para
caminhos possíveis de uma realidade que vemos a todo momento.
Paparazzi’s, sites de fofoca, imprensa marrom, revistas de
cabeleireiro, todos caem como umas patinhas no conto do vigário, na história da
criatura inexistente. A plateia embarca no texto e acompanha atenta o resultado
daquele embate. Sair do teatro pensativo, com um belo trabalho de toda a equipe
é sem duvida um raro prazer e uma referencia que ficará para sempre na minha
memória. Sugiro a todos que escrevem e produzem para teatro que assistam ao espetáculo
para que nas suas próximas produções, seus trabalhos fiquem também como uma
referencia do que é a real função do teatro: entreter e fazer pensar.
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