FONTE - O GLOBO - CRISTINA TARDÁGUILA
FOTO: LEONARDO AVERSA/AGÊNCIA O GLOBO
FOTO: LEONARDO AVERSA/AGÊNCIA O GLOBO
RIO - Doses cavalares de adrenalina circulam pelas veias de
Marco Nanini e Fernando Libonati, e a exaltação tem razão de ser. Em agosto, a
dupla que há 26 anos coleciona prêmios e sucessos de bilheteria à frente da
produtora de teatro A Pequena Central inaugura, em Botafogo, um novo espaço
cultural.
Batizado de O Reduto, o sobrado de paredes amarelas,
pé-direito alto e lotação máxima de 30 pessoas foi pensado para levar Nanini e
Libonati muito além do universo teatral — num passeio por artes plásticas,
música e até gastronomia — e nasce com o poder de confirmar a dupla entre os
produtores culturais mais ativos do Rio. Tudo isso, é claro, gera muita, muita
ansiedade.
— O primeiro evento d’O Reduto será uma mostra de artes
visuais — adianta Nanini, com um sorriso largo. — Os artistas plásticos Analu
Prestes, Antônio Guedes, Leo Battistelli e Marcelo Jácome ocuparão a casa por
dez dias seguidos, um de cada vez, e, enquanto estiverem por lá, serão os
programadores do espaço, além de os responsáveis por tudo o que vai acontecer
durante sua estadia.
— Queremos dar aos artistas a oportunidade de trabalharem
também como curadores — completa Libonati. — Eles decidirão o que será exibido
no salão principal, no subsolo e até na cozinha d’O Reduto, que poderá oferecer
refeições com cardápios bacanas nos fins de semana.
Vem aí o Teatro do Bairro
Analu Prestes trabalhará em torno de três ideias: o tempo, a
vida e a morte. Durante sua estadia na casa, vai garimpar folhas, frutos e
flores para montar composições e, depois, fotografá-las. Antonio Guedes terá
como tema o momento em que a rua invade a casa, fazendo um trabalho em torno da
moda e dos figurinos.
O argentino Leo Battistelli vai expor peças de cerâmica
resgatadas na região serrana do Rio após a inundação de janeiro de 2011, e
Marcelo Jácome fará duas instalações: uma com pipas de papel de seda e outra
com linhas.
Para que O Reduto siga à risca a filosofia que A Pequena
Central vem adotando em seus projetos nos últimos anos — a de "espalhar
cultura por toda a cidade" —, os artistas que passarem por lá deverão,
logo depois, ter um momento de convivência no Centro Hélio Oiticica, no Centro
da cidade, e, em seguida, migrar para o Galpão Gamboa, espaço que Nanini e
Libonati mantêm aberto na Zona Portuária desde 2008.
— Queremos fazer com que a arte circule pela cidade — diz
Nanini. — E a ideia é estabelecer uma ponte entre o que fazemos em Botafogo e o
que levamos para o Gamboa.
Há quatro anos, o Galpão Gamboa, que funciona por trás de um
chamativo portão vermelho, oferece, por meio das artes e dos esportes, oportunidades
de formação e inclusão social para os moradores das comunidades carentes e dos
bairros da região. Em agosto de 2010, Nanini e Libonati inauguraram ali um
teatro com uma política de preços acessíveis — R$ 5 para quem residir nas
redondezas. Assim, vêm conseguindo formar um público local fiel e ter a casa
sempre lotada. Segundo eles, nos últimos espetáculos, os moradores da região
representaram ao menos 40% dos cerca de 80 lugares de cada sessão.
— Detectamos que ali existe interesse e demanda pela cultura
e que nós temos que construir as oportunidades — destaca Nanini. — Vai ser
ótimo levar artes plásticas para lá.
— E esse caminho que adotamos está alinhado com a política
cultural vigente na cidade, no estado e também no país — diz Libonati. — Queremos
democratizar a cultura. Queremos que as pessoas não tenham medo de ir aos
centros culturais. Queremos chegar perto delas, deixá-las mais à vontade
conosco, fazer com que queiram ir a um espaço determinado e que saibam que ali
sempre haverá algo de qualidade para ser visto.
Depois da mostra de artes plásticas, O Reduto abrigará uma
programação de teatro de câmara. Na lista de monólogos e diálogos selecionados
aparecem, entre outros, "Ato de comunhão", de Gilberto Gawronski,
"Sonhos para vestir", de Vera Holtz, "Produto", de Marcelo
Aquino, e "Inglaterra — versão brasileira", de Bel Garcia.
— As temporadas serão bem curtas — avisa Nanini. — No máximo
dois meses para cada peça. Este é o embrião do projeto Teatro no Bairro, que A
Pequena Central pretende levar adiante no segundo semestre.
Segundo Libonati, entre agosto e setembro, o novo monólogo
de Nanini — "A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um
aumento", de George Perec, com direção de Guel Arraes — vai passar por ao
menos sete bairros:
— Vamos ao Teatro Armando Gonzaga, em Marechal Hermes, ao
novo Imperator, no Méier, ao Teatro Gláucio Gil, em Copacabana, ao Teatro
Ipanema, ao Sergio Porto, no Humaitá, ao Ziembinski, na Tijuca e, é claro, ao
Galpão Gamboa.
Nanini adianta que a peça conta a história de um personagem
que cria um gigantesco organograma mental em que prevê todos os caminhos
possíveis para pleitear um aumento.
— Não se trata de um teatro convencional. Não tenho ambições
comerciais e não vou competir com ninguém fazendo ele. Vai servir, sobretudo,
para eu me reciclar — diz o ator. — É um texto tragicômico com frases muito
parecidas e que serve como teste para manter a atenção do espectador.
Enquanto a esperada estreia não chega, Nanini se preocupa
mesmo com o casarão amarelo. Numa visita ao espaço, ele brada frases como
"Esse bar precisa de uma passagem!", "Vamos derrubar o muro que
separa essa casa d’A Pequena Central" e "Esse porão aqui bem
iluminado vai ser palco de performances incríveis!".
Libonati, por sua vez, pensa na programação do Gamboa:
— Assim que acabar o Rota Gamboa (programação multicultural
que já levou à Zona Portuária espetáculos como "Os mamutes", de Inez
Vianna), retomaremos o Gamboavista. A segunda edição do evento terá 14 semanas
e deve virar nosso programa de verão. Depois, o galpão terá seu primeiro
espetáculo de dança!
No projeto Dança Gamboa, que terá curadoria de Marcia Rubin,
estão listadas 14 companhias — seis consagradas (Lia Rodrigues e Marcia
Milhazes, entre outras), quatro iniciantes e quatro infantis. As primeiras
apresentações acontecem em abril de 2013.
— A Pequena Central está feliz por poder arcar com todos os
custos desses espaços e por jogar limpo com os atores — diz Nanini, questionado
sobre qual é o maior obstáculo como produtor cultural. — Mas não podemos pedir
que os artistas trabalhem de graça. Então estamos, como muitos outros,
aguardando os editais.
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