O convite chegou no meio da tarde: "Teatro hoje?". "Segunda-feira?", pensei. O dia tinha sido obsessivo. Uma ligação atrás da outra, pagamentos a fazer, viagem a Jacarepaguá, bairro distante de onde moro, após uma reunião matinal onde falamos de Salvador Dali e sobre Espanha. As vezes me sinto meio obsessivo com trabalho. Não paro de pensar um segundo neste vício bom. Aceitei o convite e parti para o teatro.
No novo Gláucio Gil, que ainda não havia conhecido depois da ótima reforma, pego o programa e sou apresentado ao espetáculo Obsessão. Uma equipe que já acompanho o trabalho há tempos e sei da competência de todos.
O texto da autora Carla Faour é divertido e ágil. Inteligente em vários momentos, cria situações engraçadas e tensas onde duas mulheres, supostamente amigas, disputam o mesmo homem, que se reveza em casamento ora com uma, ora com a outra. A peça começa com uma mulher reagindo a uma carta anônima informando a traição do marido. A seguir, voltamos no tempo e a história é contada até aquele ponto e depois segue para o final apoteótico. Me lembrou muito a escrita de Sidney Sheldon, quando não queremos parar de ler o livro e acompanhar os altos e baixos de cada personagem - ser humano - ali exposto. Alias, digo que todos os humanos retratados são perfeitamente reais! Me diverti muito com as metáforas ácidas e criativas com que Carla Faour se utiliza para xingamentos e agressões verbais. Me lembrei muito do filme "A Morte Lhe Cai Bem", onde as mulheres lutam pelo amor de um homem.
A direção de Henrique Tavares é muito legal. Eletrizante, ágil e eficiente, coloca os narradores em cena, como observadores das ações e no momento seguinte este narrador vira personagem, e quem era personagem narra a história. Muito bem sacada também a forma de retirar os objetos de cena, com os atores que não fazem parte daquele embate, entram, retiram das mãos dos atores os objetos, e a cena continua. Gosto sempre de observar a dicção dos atores para ver se o diretor se preocupou com isto. Mais um ponto positivo. Nenhum deles engole nem silabas nem letras. Entendemos tudo direitinho.
A cenografia, assinada pelo diretor, é composta apenas de um grande banco vermelho, que serve de cenário tanto para os apartamentos quanto para o café em Lisboa. A cor vermelha, chamativa, nos faz ficar vidrados naquele super banco. Luz excelente de Aurélio de Simoni, com sombras nos momentos oportunos e marcações de espaços com recortes. O figurino de Clara Rocha é muito bom. Cores fortes para as mulheres, elegantes para os homens.
Mas o ponto alto da peça é a interpretação dos atores. As mulheres, sempre elas, brilham mais que os "meninos". Carla Faour, por ser "a dona da história" sabe tudo da peça. Sua dicção, verve cômica, olhar de soslaio, ironia nas palavras é muito boa! Ana Baird acompanho faz tempo, desde a peça "Encontrar-se" no Teatro do Copacabana Palace. Seu talento é nato. Domina totalmente a amante que vira esposa que vira amante. Com gestos fortes, firmeza no olhar, está muito a vontade em cena. Senti falta de sua cantoria, mas a peça não era para isto. No lado masculino, os atores estão muito bem representados por Antônio Fragoso, o marido, amante, que com seus tiques e cacoetes arranca gargalhadas da platéia. Grande comunicabilidade com o publico e com a cena. Celso Tadei defende seu Artur com talento e competência. E completando este quase Vaudeville, Daniel Belmonte interpreta um filho traído pelos sentimentos dos pais, pela confusão armada e pelo desejo perante seu ídolo das escritas.
Obsessão é um espetáculo divertido, recheado de ironia e bom humor, com um texto muito bem costurado e bem escrito, onde a preocupação com as palavras certas, para que fiquem bem ditas pelos atores é grande. Teatro bem feito, de qualidade, que só tem a abrilhantar o simpático teatro Gláucio Gil e tem tudo para seguir viagem por diversos palcos brasileiros. Gostei muito e indico a todos.
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