Quando cursei Engenharia Civil na UFRJ,
era uma mistura de CDF com Nerd. Sentava na frente e usava “fundo de garrafa”
para enxergar - que ainda uso em casa com a luz apagada, o que me rende o
apelido de “Beth, a Feia”. Na aula de programação de computação, chegou um aluno
atrasado e só restava um local para ele, ao meu lado. Aprendemos a criar e
nomear um arquivo. “Perereca” foi o escolhido. Naquela aula, eu ri tanto com o
aluno ao meu lado que “decidi”: esse cara vai ser meu amigo. Ele lutava Jiu Jistu, foi expulso do colégio, saía
toda noite. Totalmente oposto ao meu modus
operandi. A amizade durou mais de 15
anos. Por que ficamos amigos com tantas diferenças?
Esta em cartaz no Teatro do Leblon a
peça “Arte”, da autora Yasmina Reza. Conheci seu trabalho no ótimo “Deus da
Carnficina” e ela é a mestra na arte de juntar duas a duas pessoas para brigar
com uma outra. Imagina assim: Iraque, Irã e Síria. Ora Síria e Iraque brigam
com Irã. Ora Irã e Iraque bombardeiam Sìria, ora Síria e Irã ficam contra
Iraque. Yasmina brinca com as palavras,
dizendo coisas muito sérias sobre relações humanas, sobre comportamentos,
individualismo, parceria, companheirismo. Em Arte, o mais importante é discutir
a amizade. Em Arte, um amigo compra um quadro. Ele é branco, mas tem listras
brancas. Compra cara. Um dos amigos acha o quadro uma merda. O terceiro, fica
em cima do muro. Pronto, está estabelecido o conflito. Ninguém pode agir e ser
quem é em função da outra pessoa. Temos que ser quem somos, porque somos o que
somos.
Emilio de Melo capricha na direção.
Valoriza o que há de melhor nos atores e no texto. Sem corre-corre, com pausas
necessárias para a reflexão tanto da plateia, quanto dos atores, conduz a
história dos três amigos com jogos de luzes, interferências sonoras, com a
beleza e elegância com que tem feito seus últimos trabalhos. Gosto muito da
simplicidade da montagem contrastando com a complexidade das relações humanas.
A cenografia de Aurora de Campos é o
necessário para a história ser contada. Trainéis brancos (ou quadros brancos),
onde tudo é nada e o nada é tudo. O figurino de Marcelo Olinto mostra
claramente a “Importância social” de cada um dos amigos. A luz de Tomás Ribas é
perfeita para os momentos em que atores falam com a plateia e para os embates
no palco.
Os atores Claudio Gabriel, Marcelo
Flores e Vladmir Brichta estão excelentes em suas construções. Cada um veste seu personagem, sem deixar
duvidas das suas características principais. Claudio Gabriel interpreta o comprador
do quadro. É dele também a principal cena da peça, já no final, em que
demonstra que a amizade é o bem mais precioso que o quadro comprado. Destaque
para a cena em que Brichta narra a ligação telefônica entre ele e a mãe.
Brichta também interpreta com perfeição o que, pra mim, é o mais difícil na
arte dramática “o ser patético”. E não posso deixar de comentar a brilhante ironia
de Marcelo Flores. Todos excelente!
“Se eu sou eu, porque eu sou eu, e você é você, porque você é
você, então eu sou eu e você é você. Mas... se eu sou eu, porque você é você, e
você é você porque eu sou eu, então eu não sou eu, e você não é você."
- parte do texto da peça. Para refletir durante o dia.
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