Sempre
que estreia um novo espetáculo de Harold Pinter no Rio é imediata a associação
ao grande Ary Coslov. Acompanho sua paixão por este autor. Ary é o porta-voz de
Pinter no Brasil. Estudioso e curioso, resolveu levar ao palco do Teatro Solar
de Botafogo, um espaço que tive o prazer de produzir uma temporada da peça
infantil “O Casamento de Dona Baratinha”, duas montagens deste autor. A
primeira, “Traição”, rendeu o Prêmio Shell de melhor direção para Ary. E para o
Solar de Botafogo, rendeu seu maior sucesso. E agora, “Pinteresco”, com 12
esquetes do início da carreira de Pinter, é o espetáculo da vez.
Encarei
os textos como uma forma de exercício para os atores. Falar sobre o cotidiano,
como tentamos nos comunicar - e às vezes não conseguimos êxito, pois cada um
está olhando para seu próprio umbigo ao invés de se doar ao outro -; como
gastamos saliva para dizer um simples “sim” ou “não”; como temos que falar além
da conta para que nossa opinião seja ouvida.
Na
montagem atual fica clara a ironia política quando, em um dos quadros, o novo
ministro da cultura é um ex-secretario de segurança; a critica social sobre “tomar
conta da vida dos outros” presente na conversa entre duas senhorinhas sentadas
à mesa numa tarde qualquer. Está também presente a atriz que tenta de todas as
formas agradar ao seu publico contando casos de sua mãe; um hilário ataque de
moralidade de uma mulher que se insinua para um homem num ponto de ônibus e,
quando ele se mostra indiferente, ela o ataca aos gritos acusando-o de assédio.
Gosto também do chefe opressor que pergunta ao funcionário como vão as vendas
de um determinado produto - cujo nonsense
dos nomes dos produtos é a grande sacada do esquete. E uma brilhante cena onde os sequestradores
torturam um homem, porém a maior tortura é a da comunicabilidade.Tudo com humor
e inteligência.
A
tradução de Jacqueline Laurence e Isio Gelman é bem adaptada para o português brasileiro
com nossas nuances verbais. O cenário de Marcos Flaksman, elegante como sempre,
nos mostra um camarim ao fundo do palco separado pela área de atuação por uma
tela translucida. Em cena apenas o necessário: mesa e duas cadeiras. Ary ainda
brinca com o a montagem das cenas feitas pelos próprios atores. O figurino de
Kika Lopes são muito elegantes e bonitos. Aurélio de Simone cria uma luz tão bela
que entre as pausas do texto, e principalmente no fim das cenas, temos uma
fotografia linda no palco, uma pintura. Tudo isso, como um delicioso glacê de
bolo, temos a trilha sonora assinada por Ary Coslov.
Claro
que a direção não poderia ser mais elegante, criativa e correta. Ary sabe,
desde que começa a ler o texto, o que fazer com cada personagem. Ele, como
co-autor de Pinter, dá vida aos personagens através dos gestuais dos atores,
olhares de soslaio, afastar de corpos, virar de cabeças. É tudo Ary quem
comanda. A transição das cenas, o explorar de cada palavra, a utilização de
todo o palco a favor do texto, sem pressa, com segurança e elegância. Alias,
Ary é sinônimo de elegância, generosidade e inteligência. Mais um trabalho que
certamente será indicado a um prêmio teatral.
Mas
nada disso seria possível se não fosse a entrega completa do elenco. Alice
Borges, Marina Vianna, Leonardo Franco e Sávio Moll estão excelentes. Embarcam
em Pinter, acreditam no diretor, seguem à risca as marcas e o resultado não
poderia ser diferente. Alice Borges tem o poder de usar a comédia a seu favor.
Fazer o patético em cena é dificílimo e Alice faz com primor. Marina Vianna tem
para si a voz grave e segura que a torna a dona da história quando fala.
Leonardo Franco mostra a força de sua presença em cena com simples gestos e
olhares, dominando o palco, vivendo as cenas. Savio Moll tem a seu favor o
molejo de seu corpo, brincando com isto para dar vida aos personagens. Tenho
certeza que o elenco se diverte muito, dentro e fora de cena. Repetem as mesmas frases, porém com entonações
diferentes e o público entende o jogo da mudança.
Quando li o titulo, primeiramente pensei em “pitoresco”. Fui
ao Google - pedi ajuda à Nossa Senhora de Wikipedia e ao bom e velho Aurelinho
- e lá diz que “Pitoresco é um conceito da estética que faz referência às
impressões subjetivas desencadeadas pela contemplação de uma cena paisagística
em relação à pintura. Surgiu como um intermediário entre as ideias do sublime e
do belo, durante o desenvolvimento do Romantismo. A palavra deriva do italiano pittoresco,
‘semelhante ou feito como uma pintura’.”. Pois minha suposição estava certa. O
espetáculo “Pinteresco” é semelhante a uma pintura, uma contemplações de cenas,
situadas no intervalo entre o sublime e o belo.
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