sábado, 7 de setembro de 2013

O JARDIM SECRETO


Morávamos na Tijuca, mais precisamente nos arredores da Praça da Bandeira. Ao lado do Instituto de Educação. A casa da frente era do tatatatatatatataravô que construiu no terreno de trás um pequeno prédio de 3 andares para os filhos homens. A vida seguiu e ali, quando me dei por gente, residiam 3 novas famílias aparentadas. Um grande páteo à frente nos permitia brincar de queimado, piques, vôlei, tomar banho de sol e de mangueira dentro da Piscina Toni. Logo ao lado, uma antiga casa de pedra, com um grande terreno atrás, era nossa vizinha. Recheada de mistérios. Lembro que ali havia bananeira, mangueira, jaqueira, sapotizeiro e diversas outras plantinhas menores. Os moradores eram idosos: Totí, Seu Barcelos e Dona Hilda. As crianças (nós) deixavamos a bola cair no jardim vizinho e a gritaria era alta: “Por favor, nos devolva a bola!” Sempre a mesma história. Totí morreu. Dona Hilda, a rabugenta, ameaçava furar a bola sempre. Tínhamos medo dela. Mas nada impediu que, ao crescermos um pouco, começassemos a pular o muro proibido. Era um universo à parte. Criávamos histórias sobre aquela casa sombria. Um jardim secreto. Dona Hilda também partiu, deixando um alívio para as bolas, mas Seu Barcelos continuava lá. Passado um tempo, não mais brincávamos de bola o tempo todo. A casa do lado foi ficado cada dia mais sombria, coberta pelas folhas e frutos das árvores que cresciam cada vez mais. Nosso jardim secreto era aquele. Impossível saber as histórias reais que ali viviam.

Está em cartaz no CCBB, Teatro 2, o espetáculo infantil O Jardim Secreto, inspirado na obra de Frances Hodgson Burnett. Adaptado para o teatro por Renata Mizrahi, a peça conta a história de uma menina que vai passar férias na casa sombria do tio. Lá, conhece uma governanta durona que impõe regras para a sua estada. Trabalhando para a família, o jardineiro arruma as flores com prazer. A menina logo se aproxima dele para conversar. O que também é proibido, mas quem se importa? Ele revela a existência de um primo, trancado no quarto, pois é bem “doentinho”. Ela parte para ver o primo e encontra um garoto mimado que acredita ser importante ficar em casa, na cama. Seus músculos, atrofiados por conta da inércia, impedem que ele alce voos, cresça, viva. Uma outra regra é informada: não entre jamais no jardim da propriedade. Xodó da tia, o local foi trancado pelo tio quando a esposa morreu. Pronto. Basta isso para que a menina, com ajuda do jardineiro, se interesse em vasculhar aquele espaço em busca de aventuras. E, de quebra, convença o primo doentinho a se aventurar naquele misterioso universo. Daí em diante, veja a peça e descubra o que acontece.

A direção é de Rafaela Amado. Caprichosa diretora, Rafaela constrói um caminho a ser percorrido pelas crianças e adultos com cumplicidade. Ficamos com ódio da governanta, adoramos o jardineiro, nos surpreendemos com móveis falantes. A abertura da peça é linda. A menina surge em cena do nada, num passe de mágica! Rafaela, com a ajuda do cenário, cria pequenos espaços no palco limitando cada canto a um cômodo da casa, e do jardim. Muito bem apoiada na equipe técnica e na direção de movimento de Mariana Baltar. As crianças ficam vidradas.

O cenário de Analu Prestes é uma instalação! Lindo, de excelente gosto, caprichado nos detalhes, consegue delimitar espaços, brincando com cortinas pintadas com motivos florais que se abrem e fecham, com cortinas de teatro, para revelar uma cama, um sofá e uma poltrona. A projeção no fundo do palco ajuda a contar a história e a deixar todo o ambiente mais colorido. O figurino de Ney Madeira é maravilhoso. Não existe outra expressão. Premo Zilka Salaberry de figurino já para ele. A luz de Luiz Paulo Nenen auxilia nas passagens de tempo, localização dos cômodos e na importância de cada cena. Tudo muito bem abraçado pela trilha sonora original de Marcelo Neves.

Os atores contam a história com dedicação: Camila Amado, com a governanta arrogante, nos dá um ódio mortal! Aplausos! João Velho, o jardineiro, super carismático, é o xodó das crianças. Todos querem abraçá-lo ao fim da peça. Arlindo Lopes, o menino/primo doentinho, capricha na construção e na evolução do menino ao longo do espetáculo. Elisa Pinheiro é a menina que vai mudar toda a vida daquela casa com sua visita de férias. Elisa hipnotiza com sua composição e torcemos para que tenha momentos felizes na casa. Luiz Henrique Nogueira traz a força do pai protetor, medroso de perder mais alguém que ama. E assim nos mostra a mudança de seu personagem do início para o término da história. Grasiela Müller, com seu poderoso acordeom, nos faz entrar no mundo do faz de conta quando está representando uma simples poltrona.


Claro que a história e o espetáculo não se resumem a este texto acima. Escondi coisas importantes para que você, leitor, se anime e vá ao CCBB assistir ao espetáculo. Soube que depois irão para o Teatro Fashion Mall e não perca. Leve as crianças sim. Espetáculos como este, de muito bom gosto, recheado de talentos individuais e que trata todas as crianças como seres pensantes, está em falta. É necessário formar esta plateia com espetáculos qualificadíssimos como este. Mais um sucesso da Turbilhãozinho de Ideias que co-produziu a peça com a Focus Films.


Para terminar, uma música de Chico Buarque, na voz de Nana Caymmi – Até Pensei – que fala de um bosque que um muro alto proibia... http://www.youtube.com/watch?v=-yB6FLkJg1A

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