Morávamos na Tijuca,
mais precisamente nos arredores da Praça da Bandeira. Ao lado do Instituto de
Educação. A casa da frente era do tatatatatatatataravô que construiu no terreno
de trás um pequeno prédio de 3 andares para os filhos homens. A vida seguiu e
ali, quando me dei por gente, residiam 3 novas famílias aparentadas. Um grande páteo
à frente nos permitia brincar de queimado, piques, vôlei, tomar banho de sol e de mangueira dentro da Piscina
Toni. Logo ao lado, uma antiga casa de pedra, com um
grande terreno atrás, era nossa vizinha. Recheada de mistérios. Lembro que ali
havia bananeira, mangueira, jaqueira, sapotizeiro e diversas outras plantinhas menores. Os
moradores eram idosos: Totí, Seu Barcelos e Dona Hilda. As crianças (nós) deixavamos a bola cair no jardim vizinho e a gritaria era alta: “Por
favor, nos devolva a bola!” Sempre a mesma história. Totí morreu. Dona Hilda, a
rabugenta, ameaçava furar a bola sempre. Tínhamos medo dela. Mas nada impediu que, ao crescermos um pouco, começassemos a pular o muro proibido. Era um
universo à parte. Criávamos histórias sobre aquela casa sombria. Um jardim
secreto. Dona Hilda também partiu, deixando um alívio para as bolas, mas
Seu Barcelos continuava lá. Passado um tempo, não mais brincávamos
de bola o tempo todo. A casa do lado foi ficado cada dia mais sombria, coberta
pelas folhas e frutos das árvores que cresciam cada vez mais. Nosso jardim
secreto era aquele. Impossível saber as histórias reais que ali viviam.
Está em cartaz no CCBB, Teatro 2, o espetáculo
infantil O Jardim Secreto, inspirado na obra de Frances Hodgson Burnett.
Adaptado para o teatro por Renata Mizrahi, a peça conta a história de uma
menina que vai passar férias na casa sombria do tio. Lá, conhece uma governanta
durona que impõe regras para a sua estada. Trabalhando para a família, o
jardineiro arruma as flores com prazer. A menina logo se aproxima dele para
conversar. O que também é proibido, mas quem se importa? Ele revela a
existência de um primo, trancado no quarto, pois é bem “doentinho”. Ela parte
para ver o primo e encontra um garoto mimado que acredita ser importante ficar
em casa, na cama. Seus músculos, atrofiados por conta da inércia, impedem que
ele alce voos, cresça, viva. Uma outra regra é informada: não entre jamais no
jardim da propriedade. Xodó da tia, o local foi trancado pelo tio quando a
esposa morreu. Pronto. Basta isso para que a menina, com ajuda do jardineiro,
se interesse em vasculhar aquele espaço em busca de aventuras. E, de quebra, convença o primo doentinho a se aventurar naquele misterioso universo. Daí em
diante, veja a peça e descubra o que acontece.
A direção é de Rafaela Amado. Caprichosa
diretora, Rafaela constrói um caminho a ser percorrido pelas crianças e adultos
com cumplicidade. Ficamos com ódio da governanta, adoramos o jardineiro,
nos surpreendemos com móveis falantes. A abertura da peça é linda. A menina
surge em cena do nada, num passe de mágica! Rafaela, com a ajuda do cenário,
cria pequenos espaços no palco limitando cada canto a um cômodo da casa, e do
jardim. Muito bem apoiada na equipe técnica e na direção de movimento de Mariana
Baltar. As crianças ficam vidradas.
O cenário de Analu Prestes é uma instalação! Lindo,
de excelente gosto, caprichado nos detalhes, consegue delimitar espaços,
brincando com cortinas pintadas com motivos florais que se abrem e fecham, com
cortinas de teatro, para revelar uma cama, um sofá e uma poltrona. A projeção
no fundo do palco ajuda a contar a história e a deixar todo o ambiente mais
colorido. O figurino de Ney Madeira é maravilhoso. Não existe outra expressão.
Premo Zilka Salaberry de figurino já para ele. A luz de Luiz Paulo Nenen auxilia nas passagens de tempo, localização dos cômodos e na importância de
cada cena. Tudo muito bem abraçado pela trilha sonora original de Marcelo
Neves.
Os atores contam a história com dedicação: Camila
Amado, com a governanta arrogante, nos dá um ódio mortal! Aplausos! João Velho,
o jardineiro, super carismático, é o xodó das crianças. Todos querem abraçá-lo
ao fim da peça. Arlindo Lopes, o menino/primo doentinho, capricha na construção
e na evolução do menino ao longo do espetáculo. Elisa Pinheiro é a menina que
vai mudar toda a vida daquela casa com sua visita de férias. Elisa hipnotiza com sua composição e torcemos para que tenha momentos felizes na casa. Luiz Henrique Nogueira traz a
força do pai protetor, medroso de perder mais alguém que ama. E assim nos
mostra a mudança de seu personagem do início para o término da
história. Grasiela Müller, com seu poderoso acordeom, nos faz entrar no mundo
do faz de conta quando está representando uma simples poltrona.
Claro que a história e o espetáculo não se resumem
a este texto acima. Escondi coisas importantes para que você, leitor, se anime
e vá ao CCBB assistir ao espetáculo. Soube que depois irão para o Teatro
Fashion Mall e não perca. Leve as crianças sim. Espetáculos como este, de muito
bom gosto, recheado de talentos individuais e que trata todas as crianças como
seres pensantes, está em falta. É necessário formar esta plateia
com espetáculos qualificadíssimos como este. Mais um sucesso da Turbilhãozinho
de Ideias que co-produziu a peça com a Focus Films.
Para terminar, uma música de Chico Buarque, na voz
de Nana Caymmi – Até Pensei – que fala de um bosque que um muro alto proibia...
http://www.youtube.com/watch?v=-yB6FLkJg1A
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