É nítido que, de uns temos para cá, a educação e a cultura
no Brasil vem sendo nivelada por baixo. Salários irrisórios de professores,
baixa qualificação profissional, magistério desacreditado. Escolas
particulares, um oásis para quem tem dinheiro. Universidades públicas, ainda
possuem um corpo intelectual de qualidade. Mas, até quando? Vejo, leio, ouço
pessoas falando errado nossa língua, sem educação básica, comportamentos
duvidosos, diminuindo cada vez mais seu círculo cultural. É uma pena... Não gostaria
de ver meu país emburrecendo, se deseducando. Mas estou vendo. E fico triste.
Ter dinheiro não significa ter educação. Esta vem de berço,
de rico ou de pobre. Não basta dar uma bolsa, um vale, um auxílio. Tem que fazer
o bom uso dele. Até a televisão está baixando o padrão de qualidade para se
adequar nesta falta de educação e de cultura da população. “Na minha ép
oca”, os
desenhos animados eram sonorizados com música clássica. Duvida? Veja o vídeo de Tom e Jerry abaixo:
Foi com extrema alegria que assisti a Ricardo III no Mezanino do Espaço SESC, em Copacabana. Ali está um grupo de pessoas que, percebendo esta deficiência na educação dos brasileiros, resolveu dar uma aula de Shakespeare, sem baixar a qualidade do texto, da interpretação. Ou seja, sem nivelar o teatro por baixo. E é este o maior mérito desta montagem: atingir a todos os públicos, indiscriminadamente, com qualidade e que a história seja compreendido e fixada por todos.
A adaptação de Gustavo Gasparani e Sérgio Módena buscou o
necessário para contar a história criada pelo “maior dramaturgo de todos os
tempos”, William Shakespeare. Os principais personagens, as falas mais
importantes, mantendo-as intactas, sem macular a obra e o autor, estão presentes
ali. Estamos vendo um Shakespeare. Aplausos!
No palco, um quadro branco, onde Gustavo desenha a árvore
genealógica, situa a plateia, conta a história, o que vai acontecer, quem é
quem nessa família. Ele literalmente dá uma aula sobre a dinastia que envolve
Ricardo III. Todos entendem. Nada fica no ar. Tudo é compreendido. Auxiliado
por uma cadeira, uma mesa e uma luminária de pé. Mérito de Aurora de Campos. O
figurino, de Marcelo Olinto, sóbrio, permite o molejo e movimento tranquilo e
seguro do ator.
Com a trilha sonora de Marcelo Alonso Neves, nos fazendo
lembrar dos filmes épicos, a luz de Tomás Ribas e a direção de movimento de
Márcia Rubin, todos esses elementos técnicos estão a favor da aula que se está
dando para a plateia.
Sérgio Módena conduz a história misturando aula e encenação
na medida certa. Quando uma começa a ficar confusa para o público (alunos) ele para
tudo, dá um refresco, atualiza, brinca com sotaques, fixa, rememora, e segue a
trama, sem perder o foco.
Gustavo Gasparani interpreta 21 personagens. Já imaginou o
trabalho dele? Pois você vai se surpreender ainda mais com o que ele é capaz de
fazer em cena. É impossível achar algum defeito. Todos os movimentos que
caracterizam cada um dos 21 personagens são imediatamente compreendidos pela plateia,
num simples tirar de mão do bolso e cruzá-la às costas, por exemplo. A forma de
falar, entonação, respiração, aproveitando os finaiszinhos das frases, tudo
para que os alunos, a plateia, compreendam, odeiem Ricardo III e, ao mesmo
tempo, e sadicamente, torçam para sua vitória. Vibramos todos com “Meu reino
por um cavalo!”.
Esta montagem de Ricardo III é ótima para rodar o Brasil,
ser apresentada em sala de aula, clubes, praças, teatro, shopping. É uma aula
de bom teatro. Não nivela por baixo, pelo contrário! Estamos falando de
Shakespeare. Mas iguala todos. É democrática, inclusiva. Torço para que tenha
vida longa. E que outras produções entendam a necessidade de fazer cultura, sem
baixar o nível ou perder o padrão de qualidade. Aplausos merecidos de pé.
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