Entrei no Poerinha, escolhi o melhor lugar para ver a peça.
O publico sentou-se e aguardou. Os atores, cada um com seu banquinho, sentaram
no palco e começaram a contar histórias curtas, inusitadas, sobre suas infâncias
e vidas. Nos incentivaram a buscar, na memória, por uma das nossas, antiga, tema
livre. Lembrei de uma e contei.
Quando eu era pequeno, fui um dos Reis Magos, num Auto de
Natal no teatro do Instituto de Educação. Acontece que Rei Mago não usa óculos.
Ainda mais fundo de garrafas como os meus. Daí, a coitada da criança teve sua
visão arrancada carinhosamente por uma professora, me empurraram vestido de
Rei, no palco, e lá fui eu, míope, míope, em busca de uma manjedoura. Até hoje
to procurando Jesus, Maria e José. Outros da plateia lembraram histórias também
divertidas. A tônica foi o humor. Ninguem contou um drama. Foi ótimo ter ouvido
aquelas histórias.
Está em cartaz no Teatro Poerinha, aqui, vizinho de casa, em
Botafogo, teatro que gosto muito, a peça “O Homem que Tinha Memória”. São 3
histórias de Peter Bichsel, retiradas do livro “ O homem que não queria saber
mais nada e outras histórias”. A primeira, um homem viciado em trens. Sabe
tudo. Horários, carros, degraus, numero do vagão, paragem. Lembrei de quando
estive viajando pela Alemanha. A segunda, a história de um homem que, para
mudar sua tediosa rotina, resolve mudar o nome das coisas e entra num universo
só seu. Lembrei-me de Marcelo Marmelo Martelo. A terceira, mais um homem, agora
tentando provar que a Terra é redonda. Ele traça uma linha reta e planeja, em ricos
detalhes, como dar a volta. Escolhe e calcula a necessidade de ferramentas,
transporte, alimentação e hospedagem. Um trabalho solitário, tal qual um
produtor cultural.
Em todas, a solidão do homem, e a memória deste homem, são a
linha do texto. As histórias são muito bem contadas. Adaptadas, dirigidas e
atuadas pelo trio de atores Cadu Cinelli, Edison Mego e Warley Goulart. Sem a
pressa de chegar ao fim, eles desenham o texto, a direção e as atuações, com
calma, paciência e eficiência. Sabem que, ao contar cada história, estarão
buscando pela memória, deles mesmos, e do publico, algo que os liguem ao
espetáculo. E conseguem. Como são os idealizadores e atores, eles sabem muito
bem onde querem chegar com este trabalho e o objetivo é alcançado. Competência,
talento e qualidade.
Convidaram o expert Isaac Bernat para a supervisão. E a
visão de fora, de alguém com tamanha competência e bom gosto, comparando com as
suas peças dirigidas, em cartaz no Rio, é bastante rica e complementar ao que o
trio faz no palco.
A cenografia e o figurino, dos Tapetes Contadores de
História, não poderia ser mais apropriada. Sabem usar, com perfeição, tecidos,
objetos, velcro. Cenário necessário, limpo, harmonioso e de ótimo resultado.
Bem como o figurino. Tudo respeitando cada uma das histórias, diferenciando-as
uma das outras e dando complemento ao texto. A direção musical de Cadu Cinelli
contribui para o andamento do espetáculo e troca de histórias. A luz de Aurélio
de Simone é um complemento competente.
Gosto muito de ver espetáculos como este, atores talentosos,
texto de bom gosto e inteligente, que pegam a plateia pelo coração e pelo
cérebro. Nossa memória às vezes nos prega peças, mas as boas lembranças estarão
sempre presentes, para que possamos contar para os mais novos e para os
desconhecidos. E, certamente, esta peça já faz parte das minhas memórias e vou
contar essa história por muito tempo. Aplausos de pé.
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