Faz quase 3 anos que perdi uma das mais importantes amigas
que tive até hoje. Ela, com 77, nos deixou como disse que seria: sem dar trabalho.
É ruim viver sem sua voz rouca ao telefone, sem seus comentários certeiros, sem
suas baforadas de cigarro, sem suas observações do dia a dia. Com ela aprendi a
“olhar o passado com os olhos do passado, não com os olhos de hoje”.
Nãna sempre foi atual. Moderna, à frente de todos os tempos.
Quando partiu, sem autorização nossa, sem dizer adeus, me senti o mais órfão
dos amigos. Não briguei com ela por sua ida, por me deixar aqui sem respostas e
sem seu bacalhau na mesa de plástico da quitinete de Copacabana. Sabíamos que
era este seu desejo: descansar em paz. Assim, nos confortamos. Até hoje ouço
sua voz com o leve sotaque português ao pé do telefone: “Adivinha quem é?”. Sua
rouquidão era inconfundível.
Acredito que a energia gerada por quem partiu continue
presente, de outra forma. Hoje, sinto a presença da minha Nãna em pequenas frases
que digo, situações que vivo e objetos pessoais dela que guardei. Minha única
tristeza é a falta de notícias. O não poder vê-la (por enquanto) me deixa
triste. Um dia resolveremos isto!
Está em cartaz no Teatro Poeira e peça Nômades. O texto
escrito por Márcio Abreu e Patrick Pessoa, com colaboração das três atrizes e
de Newton Moreno, explora as fases em que passamos desde o momento do trauma da
notícia da morte, a raiva pela perda do amigo, a tristeza por sua ausência “para
todo o sempre”, a dor da imensa saudade, até a consciência de que a vida
continua. As personagens são atrizes que contam para a plateia alguns
encontros, convivências, dia a dia, com a amiga que morreu de repente. A peça
começa com uma belíssima despedida das três, no enterro da quarta amiga. A
seguir uma sucessão de sentimentos, situações e catarse faz com que o público
se una às três amigas, dilaceradas pela dor da perda, e façam uma viagem ao
fundo do poço com elas, para que, todos, público e atrizes, saiam do buraco e
celebrem a vida e a amizade.
Senti falta das amigas contarem como conhecer a falecida as
transformou. Como eram antes e como ficaram depois da chegada da amiga por suas
vidas? Nãna mudou minha forma de falar, de observar o mundo. Nãna me orientou,
trocamos confidências que me foram (e ainda são) úteis ao meu dia a dia social.
Somos a reunião de características de nossos amigos, parentes e personalidade própria.
Ao conhecer alguém novo, que fica na nossa trajetória, algo desta pessoa é incorporado
em nossa personalidade. O que ficou em cada uma das personagens?
O cenário e os objetos de Fernando Marés são de bom gosto e
bem bolados. Destaque para a parede vermelha de portas que servem para as
trocas de roupas das atrizes e mostrar que ao se fechar uma porta (morte),
outra se abre para a vida. O figurino de Cao Albuquerque e Natália Duran é
muito elegante e de acordo com a proposta da peça. A iluminação envolve todo o espetáculo
com momentos de intimidade e exaltação necessárias ao texto. A direção musical
de Felipe Storino faz a catarse necessária para que as dores possam ser expurgadas.
Marcio Abreu dirige a peça sabendo dosar os momentos de tristeza,
tensão e gargalhadas com a exatidão para cada momento. Destaque para as interpretações
individuais das amigas cantando e para as conversas em torno do sofá e mesa de
centro. O discurso de agradecimento no velório é uma das cenas mais bonitas que
vi recentemente em teatro.
Amigas. Esta é a melhor definição para Andreia Beltrão, Malu
Gali e Mariana Lima no palco. Cumplices, generosas, colegas, profissionais e,
acima de tudo, amigas. Cada uma sabendo seu momento de brilhar e auxiliando a
amiga a ter seu estrelado aplaudido. Uma reverência à amizade. As três mostram
ao público porque fazem parte do seleto grupo das melhores atrizes brasileiras.
É um prazer vê-las no palco tão à vontade e, ao mesmo tempo, tão concentradas
em seus trabalhos.
Com produção de José Luiz Coutinho e Wagner Pacheco, Nômades
é uma celebração da vida. Choramos, rimos, nos solidarizamos com a perda das amigas
em cena. A mensagem do espetáculo foi a escolha, das três, pela vida, pelo “seguir
adiante em memória aos bons momentos em que todas viveram juntas”.
E é com esta celebração da vida (que não me canso de exaltar
nesta peça) que recomento a todos que assistam este espetáculo para que possam lembrar dos
amigos que se foram, fazer um pensamento positivo para, onde quer que estejam,
olhem por nós. E que possamos seguir adiante em nossa história, até
quando pudermos encontrar nossos amigos novamente. Viva a vida! viva Nômades!
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