sexta-feira, 7 de novembro de 2014

NÃO VAMOS PAGAR!


Passadas as eleições, ficou aquele gosto amargo do “não adiantou nada”, sobre manifestações de junho e julho de 2013. Até eu fui pra rua, reclamar das mutretas, maracutaias, conchavos, escândalos, propinas, negociatas. Mas a maioria da população votou em candidatos que são topos das listas dos mais procurados pelo desvio do dinheiro público. De que adiantou a manifestação? Era pela festa, ou era, mesmo, apenas pelos R$ 0,20? Eu fui à rua por causa da roubalheira e pelos vinte centavos também. “Chega!” – gritamos na época.


Está em cartaz no Teatro II do Centro Cultural do Banco do Brasil a comédia “Não Vamos Pagar”. O texto do comediante italiano Dário Fo, escrito na década de 70, na Itália, conta a história de mulheres que roubam um supermercado por estarem cansadas dos aumentos de preços. Ao chegar em casa é que a cobra torce o rabo. A protagonista nos conta que seu marido, moralista, jamais a perdoaria pelo roubo e, com a ajuda da vizinha, esconde o produto do furto embaixo da cama. Além disso, divide parte com a amiga, que esconde, dentro da roupa, latas de comida para poder sair à rua. Eis que é flagrada pelo vizinho moralista e se finge de grávida. Bem, daí em diante é um somatório de confusões engraçadíssimas.

A tradução de José Almino dá o tom brasileiro nesta história atemporal e que, sem dúvida, pode acontecer em qualquer local do mundo. Recentemente, além das nossas manifestações, vimos os países europeus reclamando a falta de dinheiro e de emprego. José Almino dá a necessária “abrasileirada” na conversa, e na fluência do texto em português, com sabedoria.




A cenografia de Omar Salomão é campeã! Como o protagonista é operário, tapumes de obras, que vemos pela cidade do Rio em época pré-Olimpíada, são elementos estruturais da casa onde se passa a ação. E ainda servem como anteparos para coxias. O figurino de Juli Videla é confortável para todos, mas os personagens estão muito bem vestidos para aquela turma que precisa roubar para comer... Frescura minha, releve. A iluminação, do craque Renato Machado, é sempre ótima. Bem legais também são as interferências sonoras criadas por Ricco Viana.


No elenco, Virgínia Cavendish está ótima como a mulher que rouba no mercado. Luana Martau é hilária e aproveita tudo (e mais um pouco) do que o texto lhe permite brincar e ainda abusa do seu talento para comédia. No lado masculino, Marcelo Valle e Fabbrício Belzoff incorporam os maridos enganados, moralistas, operários e que encarnam bem aqueles cujas últimas palavras são sempre das mulheres! E, não menos importante, Zéu Britto é um ator e comediante daqueles que fazem a platéia dar risadas no instante em que entra em cena. Hilário, Zéu encarna dois policiais e um senhor de idade levando o humor ao extremo. Com perfeição nas piadas, nada passa batido. Ele usa tudo e diverte não só o elenco mas como o público também. Fazia tempo que não chorava de rir no teatro e Zéu foi o responsável por este momento.


Inez Viana é a diretora. Não canso de elogiar seu trabalho como comandante das melhores peças de teatro que tenho visto ultimamente. É um crescimento a cada trabalho que vejo. Gosto muito de tudo que ela faz e até já consigo observar marcas registradas suas, como o entrar e sair de tapumes, em cena, com atores escondidos atrás. Já vi algumas vezes esta marca e o resultado ainda é positivo. Inez já merece ser reverenciada pela crítica especializada está a um passo de receber seu prêmio como melhor diretora.

Virgínia Cavendish e Tatianna Trinxet acertaram em cheio ao comprar os direitos desta peça antes das manifestações de junho/julho de 2013. Mesmo agora, passadas as eleições, e depois do gigante ter acordado e adormecido novamente, é muito bom poder falar neste assunto “protesto” e “basta” com o bom humor necessário para pensarmos em como está a economia do país em que vivemos e, além disso, cobrar dos novos governantes uma melhora geral em todas as áreas.



Não perca este espetáculo. Divertido, honesto, de bom gosto, sincero, oportuno e que nos dá força para continuar lutando pelo teatro, pelas artes, pela nossa economia e pelo nosso futuro. Aplausos e gargalhadas!

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