A notícia veio um ano antes: retorno do câncer. Não sabíamos
o tamanho do problema nem o tempo que ia durar. Acompanhamos a ida aos médicos,
a busca pelo melhor, a esperança da cura, a certeza de que ela não viria, o
prolongamento da convivência e, por fim, torcemos para que não houvesse
sofrimento. O sofrimento foi nosso. Aos poucos, nosso pai, marido, foi nos
deixando de várias maneiras: perdeu a força física, depois ignorou o dia a dia,
por fim nos comunicávamos pelo olhar apenas. Sabemos como foi sofrido e
dolorido.
Ao saber pela imprensa a história similar da família de
atores que tanto admiro, acompanhamos a força do amor e do carinho. Mesmo
sabendo que a esperança da vida era remota, a certeza da eternidade os permitiu
continuar a viver. Sabemos como foi sofrido e dolorido perder Paulo Goulart.
Mesmo não fazendo parte daquela família, a semelhança com o que sofremos nos deu
solidariedade, lágrimas e abraços imaginários.
Está em cartaz no Teatro do Leblon, “Perdas e Ganhos”,
compilação de Beth Goulart para textos dos livros “Perdas e Ganhos” e “O Silêncio
dos Amantes”, ambos de Lya Luft. O primeiro livro colabora com as palavras e
reflexões. O segundo colabora com 3 histórias que cabem muito bem para ilustrar
as reflexões do primeiro livro, sobre vida, morte, esperança, futuro e
envelhecimento. A seleção de passagens dos dois livros não poderia ter sido
mais acertada. As três histórias são: a mãe que espera o retorno de um filho
desaparecido, a mulher madura que descobre a sexualidade e a esposa que dá a
volta por cima após a traição. Perdas e Ganhos.
O cenário muito bem realizado de Ronald Teixeira é o
necessário para compor as três histórias e dar espaço para a direção brincar
com as palavras do texto. Além disso, as excelentes projeções dos craques Renato
e Rico Vilarouca “decoram” o cenário, ampliando a força de cada história.
Destaque para o início e o fim da peça, quando a projeção nos dá a impressão de
movimento da atriz, caminhando em busca de algo. E o lindo fundo azul com
nuvens. Fantástico também o pequeno filme sobre a mulher madura que descobre
sua sexualidade, com interpretação silenciosa genial de Nicette. O figurino é confortável
e a luz de Maneco Quinderé não podia ser mais bonita.
Beth Goulart dirige o espetáculo segundo a linha do seu
sucesso “Simplesmente eu, Clarice Lispector”. Diga-se aqui, que é uma
comparação positiva. A direção é muito delicada nos momentos dos monólogos do
livro Perdas e Ganhos e firme nos momentos das histórias. Ótimo trabalho de
entrega da filha para o brilho da mãe. Da experiente atriz mais nova, para a
experiente atriz madura. É um dos trabalhos de direção mais delicados e
amorosos que já vi.
E Nicette... qualquer palavra cairá no lugar comum. Lembro
quando a levamos para participar do Lê pra Mim? no Forte de Copacabana, o
abraço que recebi, o beijo e o carinho. É isto que Nicette nos apresenta no
palco. Ela nos abraça com sua sabedoria, nos beija com palavras e a alegria de
estar ali. Ao nos fazer refletir com o texto, nos presenteia com o carinho de mãe,
avó, esposa, mulher. Obrigado Nicette.
Desde o off de abertura, com Paulo Goulart pedindo para
desligarmos o celular, até o último aplauso, foi difícil segurar as lagrimas.
Pela semelhança do que passamos em família, pela força de ver que ainda existe
vida a ser vivida após a perda. O discurso final do espetáculo é exatamente o
que sigo diante da perda de um amigo ou parente: temos que viver como ele/ela
gostaria que vivêssemos se ainda estivesse entre nós. Temos que lembrar dos
momentos bons e saber que em breve vamos nos encontrar novamente. Estamos vivos
e, portanto, que façamos da lembrança a energia positiva para continuarmos o
caminhar (como diz o programa) "com ternura, amizade, compaixão, ética e delicadeza.”
Espetáculo obrigatório.
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