A onda de musicais biográficos que lotam os teatros
brasileiros é a melhor novidade dos últimos anos na cena teatral. Nomes como
Tim Maia, Elis, Rita Lee, Cazuza, Chacrinha, e futuramente Beth Carvalho, estão
se tornando programa obrigatório de uma classe que até bem pouco tempo não
frequentava o teatro. Ouso dizer que surgiu um novo gênero no teatro
brasileiro: o Teatro Musical de Entretenimento.
Penso positivamente neste novo gênero. Primeiro, e o mais
importante, apresentar a quem não conhece, a história de um artista brasileiro.
Segundo, levar ao teatro a “nova classe C”, que até bem pouco tempo considerava
teatro supérfluo. Terceiro, abrir nova frentes de trabalho para profissionais
do teatro.
Pelo lado econômico, estamos vendo empresários de
entretenimento investindo em espetáculos teatrais. Pelo lado do público, a
plateia pouco está se importando se o texto é dramaturgicamente bom, correto, ou
de acordo “com as normas técnicas de se produzir um musical”. Somando “o que vale
é a diversão” da plateia com o lucro do patrocínio e da bilheteria dos
empresários, temos o casamento perfeito. Que venham outros.
Está no Teatro Carlos Gomes a ótima homenagem ao cantor Wilson
Simonal. O Musical de Entretenimento “S’imbora, o Musical – a história de
Wilson Simonal” tem texto de Nelson Motta e Patrícia Andrade, dupla que nos deu
o texto da peça Tim Maia. A história começa já com Simonal adulto, em
depoimento numa delegacia sobre o sumiço de seu contador. Pausa nesta história
e seguimos para o início da carreira do cantor. Nada nos é dito sobre sua infância,
de onde veio, como começou a cantar, suas referências musicais. Tudo bem, isto
não é um Globo Reporter. A carreira
artística de Simonal é a história a ser contada, desde sua primeira apresentação
no programa de Carlos Imperial, passando pelo Simonal que se tornou showman lotando
o Maracanã até chegar à desconfiança em cima das supostas “delações premiadas”
(para usar um termo atual) de colegas artistas. Fica claro que não houve
delação alguma, apenas um depoimento assinado, sem ler, e que um grupo interpretou
da forma que quis, espalhou e destruiu a carreira do cantor.
No palco, o cenário de Helio Eichbauer está preparado para
números musicais e não para pequenos ambientes. Não temos uma ambientação de casas,
mas pequenos móveis que servem para contar a história. O figurino de Marília
Carneiro é ótimo! Colorido, leve, totalmente de acordo com a época. Destaque
para as 3 cantoras que acompanham o tempo todo Carlos Imperial e fazem coro
para Simonal e as cópias fiéis das roupas do protagonista. A luz de Tomar Ribas é
muito boa, acertando nos momentos de tensão e alegria. A direção de movimento e
coreografia de Renato Vieira é positiva e auxilia o diretor na história.
Ótima a direção musical de Alexandre Elias, com parceria nos arranjos
de Max de Castro (filho de peixe...), que não poderia ser melhor escolhido para a tarefa. Aplausos para os músicos.
O elenco numeroso tem o mérito de ser experiente e com
bagagem. Thelmo Fernandes faz um Carlos Imperial bastante extrovertido.
Gabriela Carneiro da Cunha faz muito bem Tereza, mulher de Simonal, com quem
teve dois filhos. Seus monólogos direcionados para a plateia são excelentes.
Destaco ainda o trio de “Supremes” – Imperialetes – formado por Cassia Raquel (que
interpreta Sara Vaughan divinamente) Ariane Souza, cuja presença no palco é
ótima e faz um número de plateia delicioso, e Lívia Guerra, tão talentosa e
importante quanto as duas já citadas. Compondo o elenco numeroso de cantores e
atores, Marino Rocha (ótimo Jô Soares), Kadu Veiga, Kotoe Karasawa (linda voz e
afinação), Paulo Trajano, Marina Palha, Jorge Neto (muito bom em Simoninha),
Victor Maia, Dennis Pinheiro, Gabriel Stauffer e Natasha Jascalevich. No dia
que assisti, Jg D’Aleluia interpretou Simonal criança e Simoninha.
Pedro Brício é o diretor. Conduzir esta história não é
tarefa fácil e Pedro consegue um resultado ótimo. Temos vistos atores “incorporando”
os homenageados nos outros musicais de entretenimento, mas aqui, a opção por
ser uma interpretação em vez de “incorporação” é totalmente acertada. E é este
o diferencial deste musical. O trabalho do ator, especificamente do
protagonista, veio em primeiro lugar. Destaco a cena das Imperialetes falando
ao telefone com Simonal (alias, se pudesse sugerir algo, seria isto: use-as
mais! Elas poderiam contar esta história!). A linda cena do Simonal dirigindo
na praia de Copacabana e o brilhante número musical em que Simonal interpreta a
mesma música ora no programa Fino da Bossa, ora no programa da Jovem Guarda.
Ícaro Silva nos apresenta Wilson Simonal, numa
intepretação-homenagem, sem a necessidade de ser exatamente Simonal. Ícaro além
de ser ótimo cantor, é, acima de tudo, ótimo ator. Seu trabalho é digno de
aplausos pela coragem de viver Simonal sem a necessidade de “receber um santo”.
Nas cenas em que tem que se desdobrar entre Elis e Roberto Carlos, quando
ensina o jovem cantor mineiro (Eduardo Araújo) a ser um carioca e na brilhante cena de Simonal
bêbado e derrotado, está ali o grande ator que Ícaro é. Acompanho sua carreira e,
desde que nos mostrou a sua forma de ser Jair Rodrigues em outro musical, sabia
que viria um bom resultado em Simonal. Ícaro não decepciona. Está à altura do talento
do homenageado.
Ufa! Quanta coisa escrita. Se você chegou até aqui, s’imbora
já pro teatro assistir a este musical em homenagem ao esquecido Wilson Simonal.
Justiça seja feita e que ele receba todo nosso aplauso. Viva a Planmusic, viva
toda equipe e viva Simonal!
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