Que minha terapeuta não me leia, mas, sim, a ignorância é
uma bênção. De que adianta ter sido o CDF da turma, ler em média 3 livros por
mês, assistir a teatro, cinema, shows, buscar informações, aprender, pensar
cada vez mais, ser o mais inteligente do grupo, uma enciclopédia ambulante?
Talvez para ser o chato de plantão, ou o páginas amarelas da hora. Diferentona.
De que adianta tanto estudo e Q.I. se a cabeça não faz outra coisa a não ser
pensar, pensar, pensar em soluções para que a vida humana fique cada vez melhor?
Vale à pena algum esforço para mudar o mundo? Vale à pena viver fora da
casinha? É certo pensar pelas outras pessoas?
Muitas questões me surgiram após assistir, no Teatro Sesc
Ginástico, a comédia Como Me Tornei Estúpido. Adaptação do livro de Martin Page
para o teatro, brilhantemente realizada por Pedro Kosovski, um dos mais
presentes, indicados a prêmios e criativos dramaturgos da nova geração. A peça
conta a história do livro homônimo: um rapaz que se cansa de ser inteligente,
estudioso e preocupado com as questões universais e que decide promover a si
mesmo um emburrecimento, “estupidecimento”, para se livrar das dores das
questões profundas. Pedro Kosovski atualiza o livro, escrito em 2005, época em
que nem as redes sociais, nem os smartphones, dominavam nove a cada dez pessoas
no planeta. Ao mesmo tempo, Pedro consegue transportar para o palco o enredo do
livro com incrível competência.
O cenário de Sérgio Modena (também diretor) e Carlos Augusto
Campos é composto de quatro estantes com rodinhas cheias de livros, que servem
otimamente para compor os diferentes ambientes em que a história se passa. Gargalhadas
com o quadro de Romero Britto. Flávio Sousa assina o ótimo figurino, colorido,
despojado e jovial, muito bem pensado para as diversas interpretações de
personagens dos atores. A luz, de Tiago e Fernanda Mantovani, é mais que
competente. Linda! Além de complementar a cenografia, criaram pequenos quadros,
pausas, pensamentos, apenas com a iluminação. Uma beleza! Marcelo Alonso Neves
assina a trilha sonora, sempre com competência e elegância nas escolhas.
No palco, Alexandre Barros é o protagonista Antônio,
emprestando verdade ao drama do rapaz. Gustavo Wabner interpreta um dos amigos,
além de provocar gargalhadas com sua interpretação de uma garotinha de 10 anos.
Marino Rocha, com grande potencia vocal, interpreta outro amigo, este
retardado, que só se comunica através de poesias, e tem seu melhor momento na
atuação como Sidney Magal fake. Hilário! Rodrigo Fagundes, não menos
importante, atua como o terceiro amigo da Antônio, e é seu o melhor momento da
peça quando interpreta uma professora, palestrante, sobre a arte e os efeitos
de como se suicidar. Rodrigo tem aqui sua melhor atuação em teatro.
Nada disso poderia ter sido realizado se não fosse a "genialidade
crônica" de Sérgio Módena, diretor que, a cada trabalho, vem crescendo,
mostrando ser diferente em cada espetáculo, explorando o que de melhor tem cada
integrante da equipe técnica. Destaque para a forma despojada e ao mesmo tempo
muito séria com que trata do tema do espetáculo, as entradas e saídas,
modificações do cenário, explorando o humor sarcástico e o drama do personagem
principal.
Às vezes, tornar-se um estúpido é uma forma indolor, inodora
e insípida de levar a vida numa boa, sem pensar muito, apenas passando por ela
sem deixar rastros, nem sofrer muito. Eu prefiro a dor do pensamento. A
ignorância só será uma bênção para aqueles que querem ficar nesta zona de
conforto. Felizmente a ignorância não leva a nada, muito menos à melhora das
condições sociais e educacionais deste trágico momento em que passamos em nosso
país, com visível emburrecimento da população.
Como Me Tornei Estúpido no teatro é um oásis no deserto do pensamento
medíocre, na falta de grandes discussões. É muito importante assistir a este
espetáculo e refletir o que queremos como sociedade, como humanos. Onde vamos
chegar com tanta imbecilidade big brother?
No fim da peça, a redenção é clara: só a literatura (cultura
e educação) poderá salvar a todos nós deste caos! Aplausos de pé aos
idealizadores Alexandre Barros, Gustavo Wabner, Marino Rocha, Sérgio Módena e
Pablo Sanábio! Vida longa!! E #somostodosestúpidos!
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