Os relatos estão por toda parte. A mídia noticia a todo
momento. Os números impressionam. As políticas públicas de apoio e suporte aos
homoafetivos estão, cada dia mais, sendo demolidas. O STF criminaliza a
homofobia, mas cadê o “cumpra-se”? Presidentes pelo mundo são homofóbicos
assumidos. Quando se tem a autoridade máxima de um país que incita a violência,
porte de armas, agressões a mulheres, índios, LGBTQI+, não se pode esperar outra
coisa além do aumento da violência contra as minorias. Ninguém escolhe ser
homoafetivo. Se é. Nasce. Pode-se reprimir, lutar contra a natureza, mas é
impossível deixar de ser.
“Eu Sempre Soube”, que já está na segunda temporada, agora na
Casa de Cultura Laura Alvim, é o espetáculo recente do diretor e dramaturgo Marcio
Azevedo. Conversou com 92 mulheres, mães de homoafetivos, e reuniu os relatos
em um espetáculo teatral tocante, sensível, forte, humano e extremamente
verdadeiro. Histórias de assédio moral, agressões físicas, preconceito velado e
às claras, problemas de saúde mental e física, comportamentos de uma sociedade
doente – e sem previsão de cura – são expostos sem dó nem piedade no palco.
Incontáveis crimes brutais que, mesmo com leve toques de humor, não atenuam o
horror das situações vividas.
No palco, o cenário de José Carlos Vieira preenche o espaço
e, de cara, revela ser uma palestra. A luz de Aurélio de Simone se utiliza dos
tecidos para colorir e ilustrar momentos tensos, alegres, tristes e
angustiantes. O figurino de Anderson Ferreira é perfeito para a personagem
palestrante. Tauã de Lorena cria e executa a agradável trilha sonora que embala
os relatos, ameniza dores e sublinha o suspense.
Márcio Azevedo, por ser o autor, sabe o que quer: mostrar,
relatar, contestar, gritar, discutir tudo o que as mães passam, o que os filhos
passam, antes, durante e depois de se assumirem homoafetivos. Márcio não se
prende ao cenário, foge do convencional, libera a emoção da atriz/personagem
para que deixe fluir o que de mais importante o espetáculo precisa: emoção
verdadeira.
Rosane Gofman é uma atriz completa. Seu trabalho neste
espetáculo é delicado, sincero, intenso, profundo e, principalmente, comunica
com a plateia. Rosane olha no olho do espectador, vive as histórias
intensamente como se fossem suas, mesmo sem sair do personagem “jornalista
famosa palestrante”. Ela se empresa, se doa, sem amarras. Foge do roteiro,
melhora uma fala dita ao acaso, sublinha medos e angústia, faz do palco a
plataforma política necessária para contar a história.
“Eu Sempre Soube” é um espetáculo obrigatório para os dias
atuais. Nos faz ter empatia pelo outro,
traz amor verdadeiro, coloca o dedo na ferida aberta, explica, denuncia, mostra
que é possível viver numa sociedade com mais amor e respeito ao próximo. O
futuro não mostra soluções para o que estamos passando. O mundo anda cruel e
dividido. As partes não se vêm com todo. Não existe soluções fáceis para
problemas difíceis, mas é preciso relatar, registrar, gritar, fazer-se ouvir,
para que, em algum momento, chegue a hora da virada. É com diz Millôr
Fernandes, no prólogo de sua tradução de Antígona: “Ainda não acreditamos que
no final, o bem sempre triunfa. Mas já começamos a crer, emocionados, que, no
fim, o mal nem sempre vence”. Vida longa e “Eu Sempre Soube”.
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