Salvadores da pátria nunca conseguiram salvar coisa nenhuma.
Caçadores de marajá, mitos e messias, bispos e pastores, ciganas que leem mãos,
coach que não é psicólogo. Até que ponto somos enganados porque deixamos? Que
benefício o impostor traz? Aquele mágico que faz o truque, a amiga oportunista
que consola seu ex recente, o mais novo amigo de infância que só chegou porque
precisa de dinheiro, certamente estão legislando em causa própria. Querem seu
dinheiro, seu homem, sua sorte. Impostores por todos os lados. Não somos nós
mesmos impostores? Quando é que se deixou de acreditar em livros e instrução e
passou-se a acreditar em promessas e “poder da mente”?
No SESC Ginástico está em cartaz Os Impostores, texto de Gustavo
Pinheiro e Rodrigo Portela. Num bunker debaixo do Pão de Açúcar, uma família –
pai, mãe, filha, um primo e uma empregada – há tempos reclusa, ouve batidas na
porta. Quem será? O que quer? O caos lá de fora não chegou aqui dentro, estamos
protegidos. Mas temos que abrir a porta, deixar entrar alguém que pode estar sofrendo...
deixam. É um “homem de bem”, temente e servo de Deus. E provoca nesta família um
desconforto. Uma mudança de atitudes. Todas estas guardadas dentro dos armários
que são abertos pela presença do estranho no ninho. Apenas a filha, protetora da
natureza, consciente de que precisa fazer algo, não se contamina. É sempre
assim: os jovens salvam o todo. Caras pintadas. O texto brilha pelas informações
de como está o mundo lá fora, pelos diálogos ácidos, irônicos e sérios.
No palco do Sesc, Julia Deccache assina o cenário composto de
duas grandes cortinas de plástico grosso, daqueles que vemos nas portas dos
frigoríficos. Tiago Ribeiro é o figurinista que indica nas cores, tecidos e
formatos a personalidade de cada um. Ana Luzia Molinari de Simoni ilumina tudo
com a competência de berço! Marcelo Alonso Neves cria uma trilha sonora
original, divertida e que retrata muito bem como seria a vida num bunker, nos
dá angustia e leveza.
O elenco formado por Carolina Pismel (mãe), Gulherme Piva (o
visitante), Pri Helena (filha), Murilo Sampaio (primo), Tairone Vale (pai)
e Suzana Nascimento (a empregada) está totalmente integrado ao espetáculo. Cada
um, ao seu momento, brilha, atua com competência, segurança, rapidez nas
respostas. O corpo de cada um deles fala. Preciso destacar Suzana Nascimento com
diálogos impagáveis e suas expressões de ódio, enfadonho e resignação marcantes.
Rodrigo Portela comanda tudo com a qualidade de sempre.
Preciso às minúcias e ao todo do espetáculo, traz marcas para a entrada do público,
usa a porta de serviços do fundo do teatro como porta do bunker, talco como
sangue espirrando. Usar controle remoto para mudar a trilha sonora é um achado!
Os detalhes criativos não são poucos.
O grande encontro desta montagem é entre produção, texto e
direção. Os atores são os filhos que fazem tudo para os pais brilharem e, com
isto, brilham junto. Claudia Marques, produtora, sempre nos apresenta
espetáculos inteligentes, criativos e que têm o questionamento da humanidade,
ao mesmo tempo que retrata a realidade atual, como pauta em seu trabalho.
“Os impostores” é daqueles espetáculos para serem vistos várias
vezes, tamanha infinidade de referências, casos de estudo, comportamentos,
diálogos, atuações e direção competente. Que seja mais um grande sucesso de
todos. Aplausos calorosos.
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