Era março de 2020.
Assisti ao musical sobre Donna Summers, em São Paulo, e uma semana depois a Covid
19 caiu como um meteoro devastador no mundo, principalmente no artístico. Tudo
foi interrompido e lacrado: adeus shows, teatros, novelas, eventos culturais,
tudo parou. Aguentamos durante um ano Lives no Instagram e YouTube,
cine-teatro-online via Zoom e afins, cantou-se nas varandas e sacadas pelo
mundo, sobrevivemos com seriados, filmes em streaming e novelas antigas. Árduos
tempos. Com o respiro da lei Aldir Blanc, proposta pelo Congresso Nacional, a
cultura respirou. Ações locais nos estados e municípios, com verbas próprias, também
ajudaram a manutenção dos profissionais que estavam a fazer gratuitamente seu
trabalho pela internet.
A mim, foram
350 dias sem assistir a qualquer peça de teatro ao vivo. Neste tempo, revi musicais
pelo YouTube, acompanhei alguns espetáculos online, mas... é o Ao Vivo que me emociona;
é o palco, a troca com o espectador, o aplauso durante e depois. Venci o medo
do contágio, me embrulhei de álcool em gel, vesti minha melhor máscara e
encarei a poltrona do CCBB Rio, para assistir ao espetáculo “Carmen, a grande
pequena notável”.
O musical tem
inspiração no livro de mesmo nome, escrito por Heloisa Seixas e Júlia Romeu,
contando a história de Maria do Carmo Miranda da Cunha, vulgo Carmen Miranda, o
maior símbolo da cultura brasileira. Como foi descoberta, as músicas de sucesso,
o estrelato nacional e internacional, o carnaval, as marchinhas, festa junina,
o cinema, Bando da Lua, a volta ao Brasil, o nariz torcido da crítica local e
seu retorno aos EUA onde acabou morrendo. O texto nos conta isto e mais um
pouco, mesmo tendo público alvo infanto-juvenil. O que torna a peça mais genial
ainda, pois voltamos a ser a criança durante sua exibição.
No palco, a
cenografia e o figurino são um casamento perfeito. Com telas em preto e branco,
que se abrem como livros e as letras do nome CARMEN com rodinhas virando
bancos, praticáveis e expositor de loja de chapéus, é puro teatro criativo.
Muito bacana também a evolução da cor dos figurinos, que vão aparecendo ao
longo da peça, iniciando em PB e explodindo em tons fortes no final. Gargalhadas
com a rapidez de Carmen cantando para enlouquecer os gringos. Aplausos para o número
musical em que todos batucam no cenário, estilo o grupo STOMP, tirando sons da
madeira e compondo a canção. A cena final é lindíssima com Carmen fechando um
livro ao som de “Adeus Batucada”. Pois tudo isto, cenário, figurino e direção é
fruto da imaginação de Kleber Montanheiro. Tudo isto muito bem auxiliado pela
direção de movimento de Keila Fuke e pela luz de Marisa Bentivegna.
A direção
musical é do gênio Ricardo Severo e os músicos Betinho Sodré, Mauricio Maas, Monique
Salustiano e Fernando Patau não economizam na animação e no fôlego.
O elenco carioca
tem Daniela Cury, Guh Rezende, Fernanda Gabriela, Júlia Sanches e Samuel de
Assis. Integrados, carismáticos e se entregando com força
máxima a todos os papéis que representam. E muito bem caracterizados pelo
visagismo de Anderson Bueno.
Mas é de Carmen
Miranda que estamos falando. E ninguém mais, ninguém menos que Amanda Acosta para
emprestar seu corpo e dar vida a este personagem tão copiado. Impossível não
comparar a sua apresentação com Soraya Ravenle e Stella Miranda, que se dividiam
para viver Carmen no visceral “South American Way”. Amanda é um somatório
perfeito das três (Carmen, Stella e Soraya), milimétrica nos olhares e gestos,
na voz, no trinado, na rapidez do canto, no carisma, na beleza... ufa!... enfim,
um imenso talento. Amanda, que vem de uma brilhante interpretação de Bibi Ferreira,
agora encarna Carmen Miranda sem medo e com a mesma competência. Um espetáculo!
Sabemos que a
pandemia se faz presente e, pelo visto, vai demorar a nos abandonar. Mas, tenha
coragem. Mergulhe-se no seu álcool 70, vista sua burca, embale-se em plástico, e
vá assistir ao musical. Os atores e músicos estão sendo testados semanalmente e
fazem a peça com máscara transparente. Ou seja, é segurança e qualidade. E vá
assistir ao musical “Carmen, a grande pequena notável” no CCBB e saia bêbado de
cultura, revigorado de amor e recheado de arte. Alias, a arte salva, sabia?
Então vença o Covid 19 e vá ao teatro. Aplausos de pé. E muito obrigado por me
trazerem de volta para a plateia.
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