quarta-feira, 9 de março de 2022

BORDADOS

Minha avó, parte de pai, sustentava marido e filhos com sua máquina de costura. Nunca soube a profissão do meu avô, mas lembro dele cambaleante pela casa e a vó tentando manter o que ainda era uma família. Deduzo que ela tenha sofrido os diabos com ele. Tenho cartas dele para uma antiga namorada. Nunca me atrevi a ler tudo, mas ali tinha um homem frágil e apaixonado. Minha avó? Calil. Meu avô? Aouila. Arabes de sangue. Libaneses. Esta ligação com o oriente médio me rendeu uma dupla cidadania.

Corta para uma Copa do Mundo qualquer. Na sala, as 4 mulheres ao redor da mesa, falavam sem parar durante todo o jogo, que era assistido, no mesmo ambiente, pelos filhos e maridos. Incapazes de solicitar silêncio, eles aumentavam o som da televisão. Elas? Aumentavam a voz! Ali as mulheres árabes, parentada do papai, dominavam a cena. Inesquecível.

Em cartaz no CCBB, está BORDADOS, um espetáculo baseado em entrevistas do documentário “Humanos” e “7 Bilhões de outros”, costurado por Ana Teixeira. Histórias de 6 mulheres, reunidas em torno de uma tarde de chá árabe de menta para conversar, desabafar, trocar confidências, ideias, crenças e afetos. Casamento, assédio, amor, filhos, liberdade, religião, tudo que se possa falar e, principalmente, ouvir, para que a vida se torne mais leve para elas. Temos o embate elegante entre modernidade e tradição, o amor arranjado e a paixão avassaladora. É tanta emoção no texto que daria mais que um parágrafo para contar a perfeição dos temas selecionados e compilado por Ana Teixeira.

No palco, uma sala árabe marcada por tapetes, objetos de chá, taças de chá, cadeiras e luminárias, é o necessário e elegante para a reunião das mulheres. O figurino é perfeito, leve e colorido. Figurino e cenário assinados por Ana Teixeira e Stephane Brodt. A iluminação permite saborear o chá daquele encontro amoroso é assinada por Renato Machado, sempre elegante e certeiro. A direção musical, também da dupla Ana e Stephane, traz referências certeiras. Aplausos para os números em que as atrizes cantam e tocam instrumentos.

As atrizes Jacym Castilho, Carmen Frenzel, Sandra Alencar, Flávia Lopes, Vanessa Dias e (não menos importante!) Vania Santos dão um show!! Um show!! Começando pela harmonia, entonação, aproveitamento do texto, expressão corporal, entrega, companheirismo, carisma e talento. Pra ficar horas aplaudindo de pé.

As diretoras Ana Teixeira e Stephane Brodt criaram um espetáculo delicado, forte, elegante e necessário. Segunda criação do “Ciclo das Mulheres”, projeto do Amok Teatro, abordando temas universais sob a ótica feminina, BORDADOS é um espetáculo feito à mão, com linha e agulha de pessoas, mulheres, que sabem bordar com fios nobres, as tradições, os olhares, o acolhimento. A cena das 6 mulheres amparando uma delas, em um abraço coletivo, é de chorar de lindo. A ideia da mais nova folheando o álbum, recordando os encontros daquelas reuniões, é um achado. Sem falar no tempo, nos silêncios, no uso do palco, na parceria com as mulheres da plateia que se sentam também ao redor da cena.

BORDADOS é um dos melhores espetáculos que eu já vi e que retrata o universo árabe, feminino. Como diz o programa: “Para que uma conversa aconteça é preciso o encontro, a presença aqui e agora”. Pois vá correndo ao CCBB-RJ assistir BORDADOS. Emociona-se com as histórias, perceba que tanto nas arábias quanto nas terras tupiniquins, as mulheres são o elo mais forte e importante na cadeia da vida. Aplausos emocionados e de pé. Viva BORDADOS! Viva o Amok Teatro!


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