Dedicar-se a homenagear uma expressão do cinema internacional, em um país que pouco valoriza a própria cultura, é fato raro, inusitado. Porém, guerreiros das artes conseguem fazer com os pés nas costas. Márcia do Valle, Cavi Borges, Joaquim Vicente e uma generosa e talentosa equipe técnica, uniram forças para nos presentear com “Uma Peça para Fellini”.
Cinema e teatro, juntos, no saguão do Espaço Net Rio, que já teve tantos nomes, mas continua sendo um dos melhores de Botafogo. Ali no espaço, a antiga livraria-sebo, foi ressignificada (só para usar a palavra chata do momento) em uma sala de exposição sobre Frederico Fellini, e também local de venda de livros de arte, CDs e DVDs cujo tema é cinema. Sob as bênçãos de Cavi Borges, nosso guerreiro locador da CaVídeo da Cobal do Humaitá, mergulhamos em um breve recorte da vida e da obra de Fellini. Tudo para abrilhantar mais ainda o que acontece no saguão durante a peça.
Pois ali, entre mesas, balcão de café, escadas, painéis e cartazes de filmes em exibição, é o local onde Márcia do Valle se apresenta com o ótimo texto de Joaquim Vicente. Com citações históricas, frases do homenageado, rica pesquisa didática, Joaquim mistura, na medida certa, humor, dramaturgia, história do cinema, fofocas de bastidores, citações e posicionamento político. É muito difícil equilibrar tais pratinhos rodando em varinhas que plástico e, com seu texto, Joaquim torna o malabarismo seguro e tranquilo para o brilho da atriz.
Na equipe técnica, o sempre ótimo Djalma Amaral ilumina o espaço com uma qualidade e técnica incríveis. Rebatedores e difusores, sem ofuscar a vista, auxiliam os refletores a dar cor e vida às cenas. Figurino de Flávio Souza cai como uma luva para Márcia. Leonardo Miranda cria uma trilha sonora típica do homenageado, sem deixar de modernizar e agradar aos ouvidos mais apurados. André Salles dá vida aos telões construídos com perfeição, assim como os bonecos de Miguel Velhinho. Patrícia Niedermeier assina a suave e elegante direção de movimento.
Cavi, co-criador, produtor e realizador nos presenteia com o melhor de Fellini, as cenas famosas, atrizes belíssimas e uma direção construída junto com Márcia do Valle, dominando todo o espaço, que é praticamente a extensão da sua casa.
E, não menos importante, pelo contrário, de extrema e imensa competência, temos Márcia do Valle, que mistura sua vida de atriz com a vida da personagem criada para contar causos pessoais e curiosidades de Fellini. Márcia está ótima. Segura, firma, consciente do texto, acerta todas as frases, não desperdiça um canto do saguão, se entrega de alma e corpo, cérebro e pele, para este papel desenhado e escrito como uma renda das mais altas costuras e linhas. Aplausos de pé para Márcia do Valle.
Como bem disse meu amigo que estava comigo assistindo: a peça não tem nenhum ajuste a ser feito. Está tudo na medida exata.
É extremante agradável e contagiante ver um grupo de profissionais se entregar a um espetáculo, em um espaço alternativo, correndo contra todas a marés de desabono que nossa classe artística sofre diariamente por parte de quem deveria zelar pelo nosso trabalho e, principalmente, por aqueles que deveriam valorizar a cultura nacional. Pois Marcia, Cavi, Joaquim, Leo, Flavio, Djalma, Chapinha, Patrícia, André, Marina, Clóvis e todos os que estão na ficha técnica merecem nossa reverência e agradecimento. A peça é um primor, uma joia cinematográfica e teatral. Assistam!! Viva Fellini, Viva o Teatro!
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