domingo, 15 de maio de 2022

A CORRIDA DO OURO

Foi em novembro de 1993 que estreou a novela Fera Ferida, na TV Globo. Época em que nem sonhávamos com os enlatados de streaming. As novelas tinham por base obras de grandes escritores da literatura brasileira. E Aguinaldo Silva pegou emprestado de Lima Barreto algumas histórias, entre elas “A Nova Califórnia”. Edson Celulari, com seu Raimundo Flamel, foi o grande protagonista, ao lado de Giulia Gam, a mocinha.

É extremamente louvável que atualmente tenhamos, em cena, um espetáculo teatral baseado em um conto de Lima Barreto. Em “A Corrida do Ouro”, espetáculo do núcleo de estudos Maschere Ateliê – pesquisa em máscaras teatrais, criado por Eduardo Vaccari, para estudar e investigar o teatro e as máscaras, o conto “A Nova Califórnia” volta à cena.

Ora veja você: o conto, e a peça, falam de ambição, cobiça, crenças, conservadorismo, quebra de padrões comportamentais por conta do vil metal. As máscaras caem! Nada mais apropriado para o momento atual e, consequentemente, o estudo do grupo de teatro. A chagada do estrangeiro que transforma osso em ouro, faz com a pacata cidade se transforme num pandemônio! E o texto da peça “A Corrida do Ouro” explora o que de melhor tem no conto de Lima Barreto com diálogos e narrativas bem escritas.

No imenso palco do belíssimo Teatro Odylo Costa Filho, na UERJ, temos uma área de encenação delimitada por um piso cor de terra, muitas malas e escadas. Assinam a cenografia Alice Bodanzky e Eduardo Vaccari. Uma cenografia funcional que atente aos desejos da encenação. Apenas uma das escadas é utilizada. Deduzi que todas estejam ali para representar as colinas em volta do povoado. Como sugestão, seria interessante ter mais alguns elementos criativos que delimitassem a casa de Flamel, no topo da montanha. Um painel que descesse na vara de cenário com uma indicação de casa, talvez um painel fundo de palco, certamente enriqueceria mais o espetáculo. Destaque positivo para os bonecos de Fernanda Klayn.

O figurino de Nivea Faso é bonito e atende ao propósito. Compondo os personagens, as máscaras, tema do grupo, tem grande presença cênica. Embora bonitas e bem confeccionadas, fica o alerta para que se experimentem alguma outra forma de dar maleabilidade às máscaras, pois, em alguns momentos, perdemos o texto falado, que ficou abafado dentro da máscara de alguns dos personagens. É só um alerta, sem desabonar o espetáculo.

A luz de Maurício Fuziyama e Rommel Equer é uma beleza! Usando tudo que os refletores disponíveis podem oferecer, com recortes de caminhos pelo palco, cores e clareza. Linda luz.

A trilha sonora, executada ao vivo, e com maestria, é assinada pelo sempre genial Charles Kann. Os músicos presentes em cena executam toda a sonoplastia e músicas que, ora na tensão, ora no humor, conduzem a plateia ao ponto desejado. Aplausos para o cantar do galo – quem assistir à peça, entenderá! – Ótimo!

Caso a direção de movimento seja criação do diretor Eduardo Vaccari, aplausos de pé! Assim como toda a direção do espetáculo. Segura, firme, consciente, utilizando de fotografias lindas, como o momento da chegada do forasteiro desenhando, com elenco, um trem no fundo do palco; também na belíssima cena do farmacêutico abrindo e fechando portas e armários, feitos com as malas; e a cena em que acontece o ataque ao cemitério em busca dos ossos, são cenas lindas, coloridas, divertidas e criativas.

E, não menos importante, o excelente e numeroso elenco que se dedica a esta montagem. São eles: Aline Marosa, Arianne Felix, Fernanda Klayn, Gabriel Moura, Gabriela Checchia, Julia Pastore, Nathalia Cantarino, Rodrigo Ladeira, Rodrigo Lima, Thiago Penna Firme e Yani Patuzzo. Entregues, seguros, conscientes de seus trabalhos. Destaque para o “farmacêutico”, só porque foi o que mais gostei.

É contagiante assistir a um espetáculo excelente, de grande qualidade, no teatro da UERJ. Por incrível que pareça, foi a primeira vez que eu entrei lá. Rato de teatro que sou, adoraria que a universidade, os administradores do espaço, avaliassem a realização de mais e mais montagens deste nível, deste competente grupo, para que a população possa assistir outros trabalhos deste e outros grupos neste espaço necessário e confortável. 

Vida longa ao Maschere Ateliê e ao espetáculo “A Corrida do Ouro”. A apresentação de trabalhos de qualidade, iguais a este, só engrandecem a nossa cultura, valoriza e enriquece a cena teatral carioca. Aplausos de pé. 

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