terça-feira, 17 de janeiro de 2023

COMO POSSO NÃO SER MONTGOMERY CLIFT?


Parece que já escutamos esta história antes: um ator famoso, no auge da carreira sofre um acidente, a carreira sai dos trilhos, o famoso se descontrola emocionalmente, vai para as drogas e álcool, os amigos tentam ajudar, mas... Seria esta a encenação de "Como posso não ser Montgomery Clift?". Não. É muito mais que isso.

O próprio titulo da peça já nos coloca diante do dilema: depois de tudo que vivi, filmes, peças, indicações a prêmios, Oscar quase nas mãos, mulheres, homens, fama, de repente tudo some, tudo acaba. Onde está o eu de antes? Onde foi parar aquela vida de glamour que eu tinha? Como pode nada mais daquilo existir? Como posso, eu agora, não ser mais aquele Montgomery de antes? Pois zé... 

Alberto Conejero Lópes é o autor e Fernando Yamamoto o tradutor. O monólogo nos coloca diante de Edward Montgomery Clift desde o momento em que está numa festa promovida por sua amiga Elizabeth Tyalor, vai pra casa dirigindo embriagado e se enfia num poste, até as consequências de seu isolamento, na tentativa de trazer de volta os tempos áureos de felicidade, flashes e filmes. Um texto bastante denso – e uma tradução muito bem feita, fluida e atual, mesmo em se tratando de uma história do século passado.

Gustavo Gasparani vive Montgomery Clift em toda a sua intensidade. Nuances de voz, exploração do próprio corpo – parece que controla propositadamente cada músculo seu – entre expressões faciais e rápidas mudanças de movimentos. A sensação que tive é que Gustavo “protege” Montgomery, defende seu personagem, não deixando-o cair mais ainda no fosso da tristeza e solidão. E isso é positivo. Gustavo defende o ponto de vista de Montgomery e precisa incluir a plateia naquele assunto. E consegue. Torcemos por Montgomery, mesmo sabendo seu fim.

O ótimo cenário de Natália Lana representa a riqueza do personagem-ator com uma banheira digna das mansões hollywoodianas, com detalhes em art déco, que identifica bem a época da peça. Soma-se a isto, inúmeras garrafas vazias, restos mortais da bebedeira do “pós trauma sem fim”. Marieta Spada preparou um figurino à altura do personagem, que, de casa, tenta controlar o que lhe resta de fama, dinheiro e poder. Vilmar Olos ilumina as cenas ora com sombras, ora com focos, mudando o clima de acordo com as emoções do personagem. Marcelo Alonso Neves nos oferece uma trilha sonora impecável, com vozes de filmes antigos, conversas entre amigos, música de cinema.

Fernando Philbert nos apresenta uma direção firme, que usa todas as possibilidades do cenário, da luz, do figurino, da música, para também contar esta história que merece nossa atenção. Ali estão sendo ditas coisas importantes: se beber não dirija, ninguém quer alguém derrotado do lado, não seja inconveniente com as pessoas, ninguém se importa com um bêbado sofredor. Fernando sabe disso. A direção é um contraponto ao carinho com que Gustavo abraça Montgomery. E isto também é louvável! Se por um lado Gustavo protege, Fernando desafia o personagem (e o Gustavo) com ações e marcas.

Ainda quero falar uma coisinha: Montgomery implora pela presença de Elizabeth Taylor em um possível espetáculo – remontagem de A Gaivota. Ela enrola o amigo, alimentando a esperança nele. Por seu lado, Montgomery quer explorar a imagem da amiga, na tentativa de reviver o glamour. É um jogo que só amigos muito próximos podem fazer.

Nos dias de hoje, subcelebridades, digital influencers, atores novatos também sofrem com a excessiva necessidade de se expor nas redes sociais em busca de likes, papéis, reality shows, para que a fama nunca desapareça. Fazem “feats” (duetos) com outros famosos para alavancar suas contas. É uma ditadura da beleza, da presença, da moda, da novidade. E isso sem sofrer um acidente qualquer! Mudamos desde Montgomery até os dias de hoje? Muito pouco.

Com esta peça, Gustavo Gasparano celebra, com glórias e glamour, seus 40 anos de carreira. Mostrando a quem quiser ver que, neste palco iluminado, só dá lalá (só dá ele). És presente imortal, só dá lalá. Nossa escola (plateia) se encanta, o povão se agiganta, (ele) é o dono do carnaval. Aplausos de pé. 


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