sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

NA MINHA ÉPOCA


Já escutamos “Na minha época” é que era bom, principalmente vindo dos com mais idade. Pois, mesmo tendo muita idade, a sua época ainda é a que se está vivendo, ou não? Para poucos, que acompanham a “modernidade”, principalmente aqueles que ainda estão em atuação no mercado de trabalho, estar sempre atualizado com tecnologia, notícias e pensamentos dos jovens, é a chave para conseguir uma boa adaptação às mudanças do dia a dia. Como diria Lulu Santos, tudo muda o tempo todo no mundo. Comportamentos, ferramentas, protocolos, convenções, leis...

Assisti recentemente o espetáculo “Na minha época”, texto, direção e produção de Gustavo Kaz, no Teatro Cândido Mendes (celeiro de grandes sucessos do teatro carioca). Gustavo nos conta uma tarde de encontro entre neto e avô. Seu texto é bastante inteligente, com frases nada óbvias, discussões sobre modernidade e passado, relacionamentos afetivos, a relação entre duas pessoas que se gostam, porém de idades bem distantes. A história tem o grande mérito de a cada 10 minutos ter uma nova questão que surge entre os dois e, com isto, novas discussões, ora acaloradas, ora carinhosas, fazendo com que o espectador se identifique de imediato. Todos já fomos netos. Alguns serão avôs/avós... A peça toca no assunto mais delicado do momento “a política nacional” de uma maneira sutil e que faz o espectador pensar sobre os dois lados da discussão. Isto se chama democracia. Quando os dois lados estão dispostos a conversar e a se entenderem. É disto que gostamos.

A cenografia, também assinada por Gustavo, é composta de objetos de uma sala da estar, dispostos com muita beleza no micro-palco do teatro. Vitrola, discos, mesa, sofá, plantas, telefone, cortina. Tudo de bom gosto e servindo perfeitamente ao espetáculo. O figurino de Constança Whitaker é como tem que ser: confortável e adequado ao jovem estudante e ao avô aposentado. Peder Sales ilumina a cena como pode, pois, é tão pequeno o espaço, que qualquer vela vira holofote! Temos ainda a ótima trilha sonora/direção musical de Nigga Albuquerque.

Como autor e diretor, Gustavo tem a capacidade de coordenar as cenas em sequencia sempre jogando a bola para o alto, incluindo a plateia com um simples olhar de cumplicidade do elenco. A movimentação é o ideal. Nem mais, nem menos. A opção por deixar os atores à vontade naquela sala de casa é um acerto.

Pedro Motta e Sávio Moll já viveram pai e filho no programa “Detetives do Prédio Azul” (Gloob) e a química, parceria, carinho e respeito entre os dois fica muito evidente na peça. Sávio é generoso com o colega. Sua imensa experiência cênica torna o espetáculo leve e seguro. No período que assisti ao espetáculo, Sávio estava em cartaz de segunda a domingo, a cada 2 dias numa peça diferente. Ou seja, não é moleza decorar 3 textos e atuar sem misturar. Só craque faz isso. Pedro Motta é carismático e passa a verdade do adolescente querendo mostrar, com carinho, a modernidade ao avô e, ao mesmo tempo, bebendo na fonte da sabedoria, músicas, comportamentos “antigos”.

“Na minha época” discute com humor, leveza e carinho o termo “Etarismo”, que é quando se tem preconceito, intolerância, discriminação contra pessoas com idade avançada. Sabemos que a terceira idade é a mais afetada pelas fake news e a que mais resiste ao uso de tecnologias. Manter-se na ativa, em produção, trabalhando, apesar de se aposentar, é a receita para estar atualizado e disposto a receber as mudanças que a sociedade traz a todos nós. 

“Na minha época” é um trabalho excelente, emocionante, necessário e atual que merece estar em cartaz por mais tempo para que netos e avós, atualmente distantes por conta da polarização; filhos e pais que discutem na hora de usar um aplicativo de fotos, possam se entender, possam se utilizar deste espetáculo para abrir frentes de diálogo e chegarem a ótimos encontros. Vida longa! Aplausos de pé felizes e emocionados.

Nenhum comentário: