Trabalhei por 11 bons anos numa empresa de comunicação e entretenimento televisivo. Nomes para que? Já podem imaginar. Tentei ao máximo seguir as regras que nos eram impostas na função, mas sempre dávamos diversos jeitinhos para que tudo acabasse bem, para a felicidade geral da nação. Dizíamos que o diretor era a pessoa mais enganada do planeta, pois sem os nossos jeitinhos, nada andava. Agora, como produtor, passo por bons e cansativos momentos junto à burocracia das leis de incentivo, que GRAÇAS A DEUS, existem para salvar a cultura brasileira. Sem as leis de incentivo, certamente eu seria uma pessoa infeliz por não realizar projetos culturais.
Inscrever projetos em editais também requer paciência e aprendizado. Lidar com certidões, contratos sociais, xérox autenticadas, protocolos e encadernações é muito cansativo para quem tem que criar o texto, o cenário, a programação visual, tudo ao mesmo tempo agora.
Gargalhei com a peça Comédia Russa, quando, no início, um dos personagens sofre para entrar em seu primeiro dia de trabalho em uma repartição publica russa qualquer. A burocracia o irrita, mas ele leva na maciota até conseguir um lugar ao sol. Junto a esta vida cotidiana de esquemas, ordens, desmandos, jeitinhos, começa uma série de assassinatos em seqüência.
Prezada Agatha Christie, li todos seus livros. Gostei muito de alguns, de outros achei o final muito improvável. Mas, no todo, a senhora é muito, mas muito boa, no gênero assassinatos.
Pedro Bricio, autor da peça Comédia Russa, segue o estilo de Agatha e nos deixa com a pulga atrás da orelha catando o assassino. Se é que houve assassinato, pois o suicídio sempre é uma hipótese válida. Mas num determinado ponto da peça, a gente percebe que... bem... não devo contar. Mas falta um final à altura do espetáculo. Fica uma grande duvida no ar e nenhuma novidade é criada para garantir a atenção do publico. No último terço da peça, eu perdi o fio de meada e não entendi muito bem o que rolou por lá. Vou ter que ver novamente para mudar esta história.
O projeto de vida do grupo de teatro Os Fodidos Privilegiados é pra mim um dos mais bonitos da cena teatral carioca. De Abujamra a João Fonseca, acredito que tenha assistido a 60% das montagens. Um grupo unido, que ama o teatro. Gosto muito de trupes de teatro. Acredito que isto mantenha nosso teatro vivo. Estudos são válidos e os grupos fazem isso muito bem. Assim como os Fodidos. Alias, não poderiam ter dado nome melhor, pois ninguém consegue viver de teatro por muito tempo sem ter uma profissão que o sustente. E se não tiver, você fica fodido mesmo.
O elenco de 11 pessoas – Alexandre Pinheiro, Cristina Mayrink, Daniela Olivert, Filomena Mancuzo, Marcos Correa, Natália Lage, Ricardo Souzedo, Roberto Lobo, Rodrigo Nogueira, Rose Abdallah e Thelmo Fernandes - funciona muito bem em conjunto, com um ou outro se sobressaindo numa cena, mais que o colega. E não é uma peça de grupo? Pois este é muito bom.
O cenário do Nello Marrese é incrivelmente criativo. Admirável trabalho. Há pouco escrevi que achava seu “Maria do Caritó” seu melhor trabalho. Isso até ver Comédia Russa. Este sim é o seu melhor trabalho. Muito criativo mesmo. Cenografia de primeira categoria. O figurino de Rui Cortez abusa dos vermelhos sabiamente e dos tons cinza, tudo com a elegância necessária. A luz de Daniela Sanchez é bonita, principalmente na cena final que falarei mais adiante. Ah, claro, a excelente e criativa musica do André Abujamra. Tudo a ver.
Na direção, o João Fonseca. Vejo tudo dele. Acredito que seja um dos melhores diretores atualmente no teatro carioca. Esta é minha opinião, olha o ciúme, hein? Em Comédia Russa, João brincou de pique com seus amigos. Deixou-os a vontade. Talvez um pouco a vontade demais da conta. As duas cenas do casal tomando sorvete precisam de algo mais. Senti falta de cenas mais marcadas, quase coreografadas, que João faz em outras peças. A repetição das cenas de coreografia com musica – tanto coreografia quanto musica são ótimas - as vezes fica um pouco de mais. Mas, calma. Eu gostei muito. Principalmente da movimentação, da opção pela brincadeira, quase um Vaudeville.
A peça é bem divertida. Ri bastante, me identifiquei varias vezes e saí pensando sobre como a burocracia, o somatório de erros e assassinatos em seqüência, pode mudar a vida das pessoas. Que me perdoem os produtores, mas cena final eu vou ter que contar. Pra mim é uma das mais lindas que já vi no teatro. Dois personagens no palco. Topo de um prédio. Apreciam o pôr do sol. A luz vai baixando. Ela diz. “Lindo ver o pôr do sol daqui de cima”. Luz baixando. Ele concorda. Ela “Quando terminar, vamos aplaudir?”. “Claro”, ele diz. A luz vai diminuindo. Eles aplaudem. Blackout. Toda a platéia aplaude.
Aplausos!
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