Sônia Mamede pra mim é “misto com Coca Cola”. Ofélia pra mim é Sônia Mamede. Aquela brejeirice, aquela burrice ingênua nunca mais teve uma atriz à altura de sua primeira intérprete.
Ansioso por rever Sônia Mamede, parti pro SESC Ginástico e me deparei com uma linda homenagem de um fã. O sabor do “misto com Coca Cola” que o autor Arthur Xexéu sentia na infância e na adolescência, quando acompanhava a carreira de Sônia Mamede, está ali no palco. O carinho fica claro quando preserva a platéia das operações e doenças que envolveram os últimos tempos de vida da atriz. Mas ele não esconde o fraco pela bebida que aquela garota do biquíni vermelho tinha.
Longe de ser uma dramaturgia comme il faut de teatro – e quem se importa com isso? – a peça não tem conflito nem clímax. É uma homenagem a Sônia Mamede, ao teatro de revista e às coristas e vedetes que abrilhantavam as telas de cinema e os palcos cariocas. Época em que a televisão não dominava os lares da população. Xexéo caprichou na escolha dos fatos, entupiu a peça de referências de época, citou nomes de queridos companheiros de Sônia Mamede – não esqueceu ninguém -, utilizou-se de toda a pesquisa histórica de Daniel Schenker sobre a vida da atriz, sobre as vedetes, e nos acrescentou com esta homenagem justa e bonita.
A direção, leal ao texto, é de Marilia Pêra – minha favorita, mas não espalha. A peça precisa de ritmo até a sua metade. É muita informação no texto e as cenas ficam um pouco sem ligação uma com as outras. Se em algumas cenas os atores ficassem parados no palco, renderiam mais do que caminhando de um lado ao outro, sem motivo aparente. Sugestão: números musicais com texto no meio, três vezes na peça, fica muito igual, não? Outra rapidinha: evitar o contra-regra para colocar copos em cena, eles podem ser retirados de dentro de um dos baús. - Ok, quem sou eu para sugerir, opinar, comentar... sou apenas público, perdoem-me a ignorância. Depois que Sônia Mamede recebe o Mambembe, a peça cresce muito, fica mais ágil e o ápice é a imitação de Ofélia e Fernandinho recebendo Carlos Manga.
O ótimo figurino de Kalma Murtinho explora os contrastes preto-e-branco, de uma época em que as cores não apareciam na telona. O cenário do Marcelo Marques é composto de caixas que servem de bancos e escada, junto com uma moldura que serve de quadro, tela e janela. A luz de Tomás Ribas - gosto muito - usa os corredores internos do palco, coisa rara atualmente em teatro. Os números musicais são simples, nos recordam - e ensinam - como era bom aquele tempo. São cantados ao vivo pelos artistas - mas com músicos em playback -, ilustram a vida de Sonia Mamede no cinema. O autor nos presenteia com duas musicas de sua autoria que complementam o texto. Na coreografia, Manoel Francisco fez bem a lição de casa e acertou na composição que homenageia os filmes da Atlântida. Ele também nos dá uma palhinha de seu talento dançando como acontecia nos filmes.
Theresa Amayo compõe uma mãe carinhosa, Ricca Barros interpreta um Daniel Filho e um Carlos Manga iguaiszinhos aos originais, Ricardo Graça Mello canta bem um numero musical e interpreta outros personagens também com correção. Compõem o elenco Tati Pasqueli e Karin Roepke como coristas e amigas de Sônia Mamede. Regiane Alvez tem talento pra dar e vender. Sua criação para Sônia Mamede foi estudada a fundo. Da língua presa aos trejeitos, incorpora Ofélia no palco. Um trabalho correto, bonito e com muito respeito.
O filme que ilustra a cena final da peça emociona. Vemos que o carinho de Arthur Xexéo com a sua querida garota do biquíni vermelho é maior que o palco. É uma peça onde os mais novos vão aprender como era ser vedete, quando as atrizes tinham talento, mas o que valiam eram suas pernas – atualmente eu digo o quê? - É um belo registro histórico sobre uma atriz talentosa, divertida e acima de tudo, uma grande mulher. É trazer de volta o gosto bom do misto quente com Coca Cola. É recordar, homenagear e viver. Aplausos para a equipe.
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