Era janeiro, férias em Iguaba. Tínhamos uma vitrolinha “de
mão”, vermelha desbotada. Os discos vinham na mesma sacola. A cada viagem, uns
20. Nana Caymmi não faltava, Milton era obrigatório. Jobim, necessário. Elis “comparecia”
com o disco “Essa Mulher”. Estávamos na varanda quando chegou a notícia. Não
mais Elis entre nós. Não mais... Daquele ponto em diante, Essa Mulher não saiu mais
da vitrola. Tocou uma semana seguida, sem parar. No Jornal Nacional, os
depoimentos. Mamãe, Papai, Tio Zé e Tia Cristina, chocados. Eu não tinha muita
noção do que acontecia, mas sabia que algo tinha sido grave. A perda teria sido
absurda.
Ao longo desses meus 41, vim descobrindo Elis. Ouvia, ouço e ouvirei para sempre. Papai tocava contra-baixo e, em festas na casa de amigos na Tijuca, me apresentou Luizão, o baixista da Elis. Eu ali, naquele meio, olhando, imaginando, sonhando. Tenho inveja dos amigos que assistiram ao Falso Brilhante, ao Circo Místico. Queria ter visto Elis ao vivo. Abraçado, beijado sua mão, como hoje em dia faço com quem admiro, graças às produções culturais que trabalho. Elis é a perfeição. É a competência. É o exemplo a ser seguido de objetivo, buscado e alcançado. Ela queria ser a maior, melhor, cantora do Brasil. Sorry, periferia. Ainda é. Sim, tenho a minha cantora favorita, não escondo meu amor por Nana Caymmi, sua voz, sua personalidade, seu timbre. Mas Elis... Elis... Elis... como diria Shakespeare, “Todo o resto é silêncio”.
Felizmente Elis voltou para nós, em formato de musical de
teatro, no Oi Casagrande, aqui no Rio. Com o texto de Nelson Mota e Patrícia
Andrade, a peça retrata, em flashes, os melhores momentos musicais da cantora, e
suas relações amorosas e familiares com Ronaldo Boscoli e Cesar Camargo
Mariano. Sua passagem pelas boates do Beco das Garrafas, a vinda para o Rio, os
shows na Europa, Miéle, Carlos Imperial, Jair Rodrigues, Tv Record. Um acerto
foi ter evitado falar na morte, como se deu o acontecido. Elis sai de cena, o
banco fica vazio, a cortina se fecha. Tudo dito. Lágrimas e aplausos.
Dirigida por Dênis Carvalho, o nome já diz: é um espetáculo!
Ágil quando precisa, minimalista quando pede, grande quando fala dos shows e
apresentações, pequeno quando é depoimento. Gosto muito da direção. Acho
criativa, moderna, saindo muito do que estamos acostumados a ver no teatro e
trazendo um olhar televisivo, aproveitando coreografias para montar cenário de
maneira nova, tirando do lugar comum boleros, dramas. Trocando a posição real
na história de músicas consagradas, como no caso de Atrás da Porta e Vou Deitar
e Rolar. Dênis traz parte dos musicais da Broadway (coreografias e côro) para o
musical brasileiro (músicas, arranjos e interpretações). E consegue um
casamento perfeito entre o “lá de fora” com o “brasileiríssimo”.
O repertório conta com os melhores sucessos de Elis. Claro
que desejamos esta ou aquela música, por pura vaidade, pois é a que mais se
gosta. Eu adoraria ter ouvido Bolero de Satã, mas Dois Pra Lá, Dois Pra Cá me
alimentou a saudade, e me acalmou a ausência. O Bêbado e o Equilibrista, Arrastão,
Ladeira da Preguiça, Águas de Março, Madalena... vou esquecer várias. As
principais e marcantes estão lá.
Cenário ótimo. O necessário para um musical competente, como
este. Telas de LED ao fundo dando profundidade e colorido. Mesas, cadeiras e
sofás entrando e saindo sobre rodas e plataformas. Adereços dançantes. O
figurino de acordo com a época, bonitos, recriando vestidos de Elis.
Caracterização perfeita, transformam a atriz em Elis. Luz: céus, uma das
melhores do ano!! Músicos: reverência e aplausos. Coreografia impecável!
O elenco é muito grande, seria educado e generoso escrever o
nome de todos, pois me deram de presente assisti-los, mas aqui vão os nomes
principais. Ícaro Silva, brilhante como sempre, muito amadurecido, interpreta
Jair Rodrigues com verdade, emoção e entrega. Canta, atua e dança com
perfeição! Cláudio Lins, como Cesar Camargo Mariano, ótimo! Sua interpretação
de Trem Azul é de arrepiar! Felipe Camargo, como Ronaldo Boscoli, está muito bem
na pele do cafajeste marido. Natural, engraçado e seguro, a surpresa da noite.
Nunca tinha visto Felipe em teatro e gostei muito.
Laila Garin... Laila Garin... Laila Garin... sua atuação
como Elis é impecável. Mais que uma homenagem, Laila nos traz Elis de volta.
Sem querer superar, ou incorporar a cantora, Laila interpreta Elis com
dedicação, atenta aos gestos, timbre de voz, agudos, gênio, força e
garra. Emocionante ver Laila cantando. Seus solos são aplaudidos, quase que de
pé, pelo público durante a peça. Ovação é pouco. Emoção pura. Laila Garin, que
já conheço de outros musicais, como “Gonzagão, a Lenda” e “Eu Te Amo, Mesmo
Assim”, está irrepreensível. Está perfeita. Canta muito! Emoção, lágrimas e aplausos.
Prêmio Shell e APTR se fazem obrigatórios para ela.
É duro saber que Elis não vai cantar novas e belas canções.
É triste. Elis tinha que estar aqui, agora, já. Mas é muito bom saber que
existem iniciativas como esta, da Aventura, em trazer Elis para nós. Ainda sob
a emoção de ontem, dormi pouco e posso estar emocionado, sonado, atordoado com
o que assisti. Portanto, declaro, para os devidos fins, que este é, sem dúvida,
o melhor espetáculo musical brasileiro já realizado em homenagem a uma figura
da música brasileira. É... Elis. É... Laila. É... Dênis. Depois de vocês, depois
do que vi ontem, e certamente verei de novo, todo o resto é silêncio... "Elis, A Musical" é imperdível, sem dúvida alguma.
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