Quem nunca assistiu a um capitulo de novela que atire o primeiro controle remoto. Desde que a versão brasileira do gênero foi inventada pelo Boni, novelas são copiadas aqui e exportadas para o mundo. A TV Globo, onde trabalhei por 11 anos, e é a quarta maior
emissora de televisão do mundo, é, sem duvida, a melhor produtora do gênero,
ditando a regra do que é bom. O “Padrão Globo de Qualidade” sobre o
seu produto mais rentável é mais antigo que o “Padrão Fifa”,
vulgarmente utilizado hoje em dia até na venda de cachorro quente.
Amo novela. Gosto de capítulos, mocinhos, adoro bandidos,
torço pelo amor impossível e para que o vilão não se regenere e assuma seu
poder de transformar as vidas chatas dos bonzinhos para algo mais emocionante.
Tenho 5 novelas inesquecíveis: Vale Tudo, Por Amor, Que Rei Sou Eu, Roque
Santeiro e Guerra dos Sexos (versão original). Acompanho, mesmo quando não gosto,
assisto achando um saco, comento, critico, repito frases e peço autógrafo (hoje em dia,
fotos) aos atores.
Para matar a saudade das novelas antigas e fazer uma crítica
bem humorada sobre o gênero, está em cartaz no teatro do Centro Cultural da
Justiça Federal, ali na Cinelândia, o espetáculo “Novelas – o Musical”. Segundo
capítulo na história das SadoMusicistas – o primeiro foi (e ainda é) a comédia
“Muita Mulher Pra Pouco Musical”. O grupo reúne talentosas cantoras e atrizes
que participam de espetáculos musicais pelo Brasil, mas que se uniram para
criar as próprias peças. E brilha muito. Se na primeira
aventura pelos palcos, as meninas criticavam e riam de si próprias sobre os
musicais de teatro, neste, Novelas, elas, mais amadurecidas, não se preocupam
em se criticar (e criticar a classe), mas com a homenagem ao gênero que faz parte da vida dos brasileiros.
Novelas – O Musical, tem tudo que precisa para ser um
folhetim de sucesso: uma história de amor, com vilão, mistérios, músicas conhecidas,
confusões familiares, pitadas de humor negro, mocinha sonhadora e galã. A
história gira em torno da mocinha, abandonada num convento pela mãe, que cresce
sob os cuidados de uma madre. No convento, desperta a inveja e a ira de uma
coleguinha (coisas de novela) que é tratada com empregada pela madre. As duas
crescem, ganham o mundo, a mocinha, ao voltar para casa, conhece na rodoviária
o amor de sua vida (o mocinho). Porém, eis que retorna ao lar justamente no dia
do assassinato de seu pai. Ela, acusada de matá-lo, vai para a cadeia (apesar
do sobrenome nobre) e sofre o pão que o diabo amassou. Janete Clair dizia que se a novela não está indo bem no IBOPE, bota a mocinha no tronco que o sucesso volta! Para os próximos capítulos desta Novela nos palcos, vá ao
teatro e descubra como esta história se desenrola. Garanto que toda a trama é
muito bem amarrada e não deixa nada a desejar aos grandes nomes dos autores de
novela espalhados por aí. Gilberto Braga não faria melhor.
As músicas que ilustram as cenas, e que por vezes “servem de
texto” para contar a história, fazem os telespectadores-público cantarem junto,
relembrarem o passado. Uma simbiose publico-palco
muito boa. A direção musical de Wladimir Pinheiro é um achado. Ele consegue
ligar partes de várias músicas de uma forma muito criativa. Os três músicos em
cena acompanham as cantoras com extrema competência. Vem indicação por aí para
prêmio de melhor direção musical.
A direção de arte – Rui Cortez - é sábia e criativa, mostrando claramente a
pesquisa feita em cima das novelas e o que se pode absorver para compor o
espetáculo, tanto no figurino quanto na criativa cenografia. Destaque para as
laterais do palco com duas câmeras que filmam (gravam) a peça em tempo real e
que podem ser vistas pelo publico em dois televisores no proscênio.
A direção de André Dias é ótima, pois brinca com as gravações em estúdio ao mesmo tempo que consegue reviver as cenas de televisão, explorando closes imaginários, os cortes de câmera, o plano americano. Gosto muito das cenas em que todas as atrizes/cantoras estão no palco e se viram à medida em que seus personagens falam e se voltam para o fundo quando se calam. Muito divertido incluir a freira que assiste novela e reclama do autor, mas mesmo assim assiste, pois não tem nada melhor para se ver na tv naquele horário (há controvérsias! Mas Novela é novela!).
As SadoMusicistas estão cada vez mais unidas e fortalecidas
como um grupo de atrizes, uma CIA de Teatro, cuja proposta é divertir a plateia
com bom gosto e qualidade. Aline Carrocino, Ana Luisa Leite, Aurora Dias,
Marcela Dias e Tatiana Sobral estão muito bem em cena, bonitas, atuando bem,
cantando bem. Destaque para o timbre vocal e a afinação de Aurora Dias (gosto pessoal) e para a atuação de Ana Luisa Leite (porque toda
vilã é carismática e fica na memória do povo – Odete Roitman e Carminha que o
digam). Nos papéis masculinos, Olavo Cavalheiro e Sérgio Somene sabem que as estrelas são elas e não adianta querer
concorrer. E pela generosidade com que dividem o palco com as meninas merecem
aplauso.
A proposta de “Novelas – O Musical” é divertir, relembrar, criticar e homenagear. Mostrar ao publico o talento das SadoMusicistas. E o objetivo é atingido no alvo. Um ótimo trabalho, honesto, certeiro, criativo, bem cuidado, caprichado, elegante e de bom gosto, que só tem a acrescentar positivamente junto a imagem do Centro Cultural da Justiça Federal, à carreira do grupo e ao público que assiste ao espetáculo. Vida longa, sem duvida, às SadoMusicistas, ao novo espetáculo e a todos aqueles que se juntam para fazer um teatro de ótima qualidade! Não perca!! Desligue a televisão e vá assistir uma novela no palco!
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