Após dois anos sem férias, parti para as minhas, novamente
no velho continente. Desde que viajei para aquelas bandas, não penso em mudar o
rumo. O objetivo é conhecer o máximo de países da região. A imagem que tinha de lá era: frio, silêncio, paz e tranquilidade. Porém, desta vez foi
diferente. Na Espanha, verão, me deparei com milhares de pessoas nas ruas das
cidades que visitei. Japoneses com suas máquinas fotográficas, dando lugar aos
smartphones, impedem a visão de monumentos. Eles não conseguem ver sem
as câmeras. Além disso, o mundo está todo igual. Também
por lá as pessoas ficam o tempo todo com a cara enfiada em seus celulares. No
metrô, na rua, no shopping, no almoço, no teatro, no cinema, estão todos
conectados. Parece que não basta viver a experiência, é necessário compartilhar
o tempo todo com qualquer pessoa. Eu também me peguei viciado no Instagram
(@aouila). Não consegui me desligar do Brasil. As notícias chegavam pelas redes
sociais e pelas mensagens de whatsapp. O mais incrível desta vez foi poder
ligar para a família, de graça, via wi-fi, de dentro da loja da Apple! Ficamos mais conectados ainda.
O somatório de multidão com a conectividade não me fez bem.
Senti falta do silêncio português, da tranquilidade alemã e da simpatia
holandesa. Conclui que preciso me desconectar da vida corrida e sem tempo. Quero
trabalhar com menos intensidade, planejar mais, ter mais tempo para o ócio
criativo, escrever mais, ler mais, estudar mais, filosofar, ajudar aos
amigos... Voltei diferente, outra vez. E prometo cumprir as promessas
que me fiz durante a viagem.
Está em cartaz no Teatro Leblon a inteligente comédia
Selfie. Muito bem escrita por Daniela
Ocampo, a história nos conta a história de um rapaz que perde os dados de seu celular e,
junto com isto, toda a sua vida armazenada: fotos, projetos, textos,
arquivos. Fica clara a dependência da máquina. Para ter tudo de volta, ele
busca com amigos e familiares as informações arquivadas em seus celulares,
sem sucesso. Durante esta busca pelo seu passado arquivado, ele tem
a idéia mais brilhante de todos os tempos: ser um computador, com self-wi-fi,
onde pode acessar a internet num piscar de olhos. Sua vida vira um tormento. Pra lá de workaholic, ele se torna um chato. Um sabe-tudo. Sua vida perde o sentido. Em determinado
momento, a tranquilidade e as coisas mais simples da sua vida, como o empinar
de um pipa, começam a lhe fazer falta. É quando surge a proposta da peça: é
possível viver sem a conectividade do mundo atual?
No palco, o figurino de Sol Azluay é o mesmo para os dois
atores: um confortável macacão azul, como operários da engrenagem do dia a dia.
A proposta de cenário, criação do diretor, é a delimitação espaço cênico no
piso, mais duas banquetas. Sábia decisão, pois o que importa nesta história
toda é a interpretação dos atores e a presença marcante dos celulares
cenográficos. A luz assinada por Felipe Lourenço faz sombras bonitas, caminhos
no chão, marca a alternância entre os momentos de sobriedade, preocupação, com
os de gargalhada extrema. Muito boa também a trilha sonora, de Lincoln Vargas.
A direção do Marcus Caruso é um ótimo casamento com os
recentes trabalhos da dupla de atores, vistos em Dois Para Viagem (peça com
Matheus Solano e Miguel Thiré no elenco), e O Cara (texto e direção de Miguel
Thiré, encenada por Paulo Mathias Jr.). Gosto muito do teatro onde se valoriza
o ator, a palavra, sua expressão corporal e vocal para contar a história, e
Caruso faz isso muito bem. É uma gincana, um crossfit. A agitação dos momento
de “selfie” com a tranquilidade do soltar pipa, são dois momentos lindos.
A dupla Matheus Solano e Miguel Thiré é afinadíssima. São amigos e cúmplices em cena. Emprestam
seus corpos para dar vida a máquinas imaginárias de abrir cérebro, são mulheres
e idosos. Todos os personagens têm composições completamente diferente dos
outros tipos. Miguel se desdobra mais, pois cabe à ele interpretar os coadjuvantes do
personagem principal, interpretado por Matheus. Estar na platéia é um presente
para todos. Matheus e Miguel são professores para novos atores, e alunos exemplares,
quando aplicam as técnicas de teatro aprendidas. E isso tudo ao mesmo tempo.
Merecem indicações a prêmios de teatro.
Selfie é daqueles espetáculos que nos faz rir de nós mesmos.
Quem assistir certamente se verá no palco, na dependência de um celular para
tudo. Na vontade de ser mais livre desta prisão do dia a dia e ter mais tempo
para curtir as coisas simples, sem precisar compartilhar com ninguém, guardar
na memória as imagens, fotografias, dos bons momentos vividos. Tenho pena dos
japoneses. Eles não curtem olhar diretamente para a Sagrada Família, em Barcelona, e absorver aquele banho
de criatividade. Eles precisam fotografar. Eu toquei, cheirei, chorei e provei
pra saber que aquela obra de arte era de verdade. É como diriam os Titãs, em Epitáfio: devia ter complicado menos, trabalhado menos, ter visto o sol se por.
https://www.youtube.com/watch?v=YOJiYy1jgRE - Clipe de Epitáfio
https://www.youtube.com/watch?v=YOJiYy1jgRE - Clipe de Epitáfio
Corra para o teatro para ver Selfie. E pense como
você está levando a sua vida. Um pouco de independência dos celulares não faz
mal a ninguém. Aplausos de pé para toda a equipe, principalmente pelos idealizadores
Carlos Grun, Matheus Solano e Miguel Thiré.
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