A primeira quadra de escola de samba que entrei foi da
Estação Primeira de Mangueira. Que prazer! Inesquecível. Tal foi a alegria daquele dia, onde teve até
o Cordão da Bola Preta, que me apaixonei pela escola, sem, jamais, esquecer o
amor pela minha Portela. É com grata surpresa que, ao ler o programa da peça A
Cuíca do Laurindo, descobri que em Mangueira também havia outras agremiações
carnavalescas, num passado bem distante. Mangueira, teu cenário é uma beleza!
Está em cartaz no Centro Cultural do Banco do Brasil o
musical A Cuíca do Laurindo, idealização e texto de Rodrigo Alzuguir, que
também assina o roteiro musical. Que beleza da história criada por cima de uma
história criada por dentro de uma poesia musicada! Laurindo, tocador de cuíca, domina
a agremiação, mas é convocado para guerra. Vai e volta diferente. Uma
fatalidade (ou seria algo premeditado?) tira Laurindo de cena. Como descobrir a
verdade? Terá Laurindo sido assassinado? A história é narrada em prosa e
canções, onde as músicas também são instrumentos de fluidez do roteiro. Um
trabalho de pesquisa e compilação de alto nível e ótimo resultado.
A direção de Sidnei Cruz acerta bastante na movimentação dos
atores pelo palco, utilizando-se das escadas do cenário, ora de fuga, ora de
cena, para dar agilidade e glamour ao musical. Cenário de José Dias no leva até
a Mangueira, com escadas e patamares entrelaçado
por telhas de plástico que ora nos remete à favela e ora reflete a luz no palco
auxiliando os números musicais. O figurino de Flávio de Souza é de excelente
qualidade e bom gosto, carinhosamente amparado nas cores rosa, roxo, vinho,
verde escuro, vermelho, bastante adequados à época retratada. Gosto muito
também da iluminação de Aurélio de Simoni e a direção de movimento de Ana Paula
Bouzas.
O elenco é ótimo. A começar por Alexandre Rosa Moreno, o protagonista
de uma história que mistura comédia, musical, chanchada, melodrama e
espionagem, Alexandre vive Laurindo com competência. Cláudia Ventura, como
sempre muito bem, afinada e esperta, é daquelas atrizes que presta atenção em
tudo ao mesmo tempo. Ajuda colega, corrige posição, faz o seu, canta, dança,
representa e ainda sobra! Hugo Germano é o comediante do espetáculo, trazendo
para a cena a gingada do malandro carioca e a qualidade do bom ator. Marcos
Sacramento é Dodô, personagem da comunidade que todos respeitam. Inegável seu
talento de cantor. Rodrigo Alzuguir é Zé da Conceição e o detetive Hercule
Perrier, conseguindo fazer dois papéis importantes totalmente diferentes um do
outro. Vilma Melo, a Zizica, mulher que vive para seu amado Laurindo, tendo
deixado a vida artística de lado, está ótima. E, não menos importante, porém,
para mim, uma gratíssima surpresa, Nina Wirtti interpreta uma jornalista
estrangeira e uma dançarina de cabaré. Céus, que voz linda e afinação tem Nina!
É de ficar boquiaberto quanto Nina canta.
Exagerei nos elogios. Mas A Cuíca do Laurindo merece. Além
de ser um dos poucos musicais do teatro com um ator negro como protagonista (tão
esquecidos pelos prêmios de cinema e teatro), nos traz um pouco da cidade do
Rio de Janeiro do passado e presta uma homenagem ao centenário do samba. Os
números musicais, cuja direção e arranjos são de Luís Barcelos é uma grande
oportunidade de se conhecer o melhor do samba carioca, com uma turma que sabe
muito bem onde quer chegar: apresentar um produto nacional de excelente
qualidade. Vá já ao teatro assistir a este belíssimo e competente trabalho da
Marraio Cultural! Viva A Cuíca do Laurindo!
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