quarta-feira, 26 de outubro de 2016

CÉUS

Desde que mergulhei no universo Netflix, os seriados tomaram conta da minha vida. Me forço a assistir um episódio por dia, sem maratona, e me dedicar na mesma proporção à literatura. Foi assim com Homeland, que fala sobre oriente médio, agentes, guerras, explosões, atentados, homens-bomba, contra-espionagem. É tão bem escrito e filmado que me peguei torcendo para o mocinho-vilão explodir o presidente americano diante dos olhos do mundo. Não era o Obama, claro.

Depois da impecável montagem de Incêndios, o ator e produtor Felipe de Carolis nos presenteia com Céus, outro texto de autoria do libanês Wajdi Mouawad. Só por este autor ser libanês já tem todo meu carinho e admiração. Minha família – os Howilla, carinhosamente abrasileirado para Aouila – veio da cidade de Jounieh, no Líbano. A vontade de conhecer aquele lugar é imensa.

Na peça, em cartaz no Teatro Poeira, com a velocidade de um episódio de seriado, tal qual um seriado, temos a história de um grupo de agentes de investigação que tentam decifrar códigos em busca de alguma coisa que possa ser o indício de um atentado em alguma parte do mundo. Recentemente assisti uma entrevista (pena não saber a fonte) onde se comentava que, depois de 11 de setembro, os atentados estão sendo praticados por poucas pessoas, quase individuais, e a chance de evitar um, é tão difícil quanto decifrar onde será o próximo. Tivemos exemplos recentes na Alemanha, Bélgica, França e quase mensalmente no mundo árabe.

Voltando ao espetáculo,  o grupo descobre que jovens estão se reunindo para atacar um determinado monumento. A descoberta de qual monumento e a data é que fazem deste espetáculo um triller de suspense e angústia. Paralelo a isto, a vida de cada um dos participantes, naquele momento, é contada em pequenos flashes. O pai que busca melhorar o relacionamento com o filho mesmo à distânca, a mulher grávida de um agente morto, outro querendo o lugar do chefe, e aquele que não aguenta mais e quer ir embora a qualquer custo. A trama é embaralhada como cartas e as canastras são postas à mesa na medida em que a história avança. A tradução fluente é de Angela Leite Lopes.

O cenário Fernando Mello da Costa é sempre uma aula de competência e modernidade. O figurino de Antônio Medeiros é bastante atual. A luz de Maneco Quindaré sabe bem o caminho a conduzir a história. Destaque também para as projeções da Radiográfico e a impecável trilha sonora de Tato Taborda.

Os atores Silvia Buarque, Charles Fricks, Isaac Bernart, Rodrigo Pandolfo e Felipe de Carolis são os agentes. O competente grupo de atores, já elogiados por diversos outros trabalhos, tem aqui uma vantagem: a unidade e a integração entre si. É excelente o monólogo de Silvia Buarque. Charles Fricks, um dos melhores atores de sua geração, nos leva às lágrimas tanto pelo carinho com que conversa com o filho pela internet, quanto pelas cenas em que descobre onde será o atentado e o grande final do espetáculo. Rodrigo Pandolfo e Isaac Bernart, também seguros em cena, dão o suporte e o suspense necessário a trama. E Felipe de Carolis, menos exigido pelo texto, tem um trabalho de qualidade e relevância.

A majestosa mão de Aderbal Freire-Filho conduz o espetáculo numa espiral crescente de emoções e movimentação. Sua inteligência para deixar o elenco ao largo da cena, enquanto a peça continua, é ótima, pois permanecem na energia do espetáculo. Assim como é bacana fazer da plateia o jardim, levando pessoas para sentarem no palco, integrando publico ao cenário. Ótimas também as cenas que se passam “nos quartos” onde apenas uma cama e poucos objetos trocados dão exata diferenciação de cada cômodo.

É inegável que vivemos em constante alerta de atentados. Aqui no Brasil não temos o medo do Estado Islâmico presente, talvez por ser tão longe, mas temos os arrastões, os assaltos, sequestros relâmpagos, nossos atentados do dia a dia contra a civilidade, mas, com a internet, estamos plugados num mundo onde o que acontece na Europa, Ásia e África nos chega na velocidade da luz. Tenho amigos que moram em “países de risco” e sempre que surge uma notícia bombástica nos falamos imediatamente. A comoção com os atentados e o medo de qual será o próximo alvo é a nova ordem mundial quando o assunto é terrorismo.


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Porém, enquanto a paz mundial não vem, e enquanto houver histórias para serem contadas, que venham cada vez mais espetáculos modernos e atuais de teatro, como este, Céus, que enriquece a cena teatral carioca e nos coloca no circuito mundial dos bons espetáculos de autores contemporâneos ao que estamos vivendo. Aplausos para toda equipe e desejos de que os produtores continuem nesta linha de trazer espetáculos sobre o oriente médio para nós.

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