Desde que mergulhei no universo Netflix, os seriados tomaram
conta da minha vida. Me forço a assistir um episódio por dia, sem maratona, e
me dedicar na mesma proporção à literatura. Foi assim com Homeland, que fala
sobre oriente médio, agentes, guerras, explosões, atentados, homens-bomba,
contra-espionagem. É tão bem escrito e filmado que me peguei torcendo para o
mocinho-vilão explodir o presidente americano diante dos olhos do mundo. Não
era o Obama, claro.
Depois da impecável montagem de Incêndios, o ator e produtor
Felipe de Carolis nos presenteia com Céus, outro texto de autoria do libanês
Wajdi Mouawad. Só por este autor ser libanês já tem todo meu carinho e
admiração. Minha família – os Howilla, carinhosamente abrasileirado para Aouila
– veio da cidade de Jounieh, no Líbano. A vontade de conhecer aquele lugar é
imensa.
Na peça, em cartaz no Teatro Poeira, com a velocidade de um
episódio de seriado, tal qual um seriado, temos a história de um grupo de
agentes de investigação que tentam decifrar códigos em busca de alguma coisa
que possa ser o indício de um atentado em alguma parte do mundo. Recentemente
assisti uma entrevista (pena não saber a fonte) onde se comentava que, depois
de 11 de setembro, os atentados estão sendo praticados por poucas pessoas, quase
individuais, e a chance de evitar um, é tão difícil quanto decifrar onde será o
próximo. Tivemos exemplos recentes na Alemanha, Bélgica, França e quase
mensalmente no mundo árabe.
Voltando ao espetáculo,
o grupo descobre que jovens estão se reunindo para atacar um determinado
monumento. A descoberta de qual monumento e a data é que fazem deste espetáculo
um triller de suspense e angústia. Paralelo a isto, a vida de cada um dos participantes,
naquele momento, é contada em pequenos flashes. O pai que busca melhorar o
relacionamento com o filho mesmo à distânca, a mulher grávida de um agente
morto, outro querendo o lugar do chefe, e aquele que não aguenta mais e quer ir
embora a qualquer custo. A trama é embaralhada como cartas e as canastras são
postas à mesa na medida em que a história avança. A tradução fluente é de
Angela Leite Lopes.
O cenário Fernando Mello da Costa é sempre uma aula de
competência e modernidade. O figurino de Antônio Medeiros é bastante atual. A
luz de Maneco Quindaré sabe bem o caminho a conduzir a história. Destaque
também para as projeções da Radiográfico e a impecável trilha sonora de Tato
Taborda.
Os atores Silvia Buarque, Charles Fricks, Isaac Bernart,
Rodrigo Pandolfo e Felipe de Carolis são os agentes. O competente grupo de
atores, já elogiados por diversos outros trabalhos, tem aqui uma vantagem: a
unidade e a integração entre si. É excelente o monólogo de Silvia Buarque.
Charles Fricks, um dos melhores atores de sua geração, nos leva às lágrimas
tanto pelo carinho com que conversa com o filho pela internet, quanto pelas
cenas em que descobre onde será o atentado e o grande final do espetáculo.
Rodrigo Pandolfo e Isaac Bernart, também seguros em cena, dão o suporte e o
suspense necessário a trama. E Felipe de Carolis, menos exigido pelo texto, tem
um trabalho de qualidade e relevância.
A majestosa mão de Aderbal Freire-Filho conduz o espetáculo
numa espiral crescente de emoções e movimentação. Sua inteligência para deixar
o elenco ao largo da cena, enquanto a peça continua, é ótima, pois permanecem
na energia do espetáculo. Assim como é bacana fazer da plateia o jardim,
levando pessoas para sentarem no palco, integrando publico ao cenário. Ótimas
também as cenas que se passam “nos quartos” onde apenas uma cama e poucos
objetos trocados dão exata diferenciação de cada cômodo.
É inegável que vivemos em constante alerta de atentados.
Aqui no Brasil não temos o medo do Estado Islâmico presente, talvez por ser tão
longe, mas temos os arrastões, os assaltos, sequestros relâmpagos, nossos
atentados do dia a dia contra a civilidade, mas, com a internet, estamos
plugados num mundo onde o que acontece na Europa, Ásia e África nos chega na
velocidade da luz. Tenho amigos que moram em “países de risco” e sempre que
surge uma notícia bombástica nos falamos imediatamente. A comoção com os
atentados e o medo de qual será o próximo alvo é a nova ordem mundial quando o
assunto é terrorismo.
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Porém, enquanto a paz mundial não vem, e enquanto houver
histórias para serem contadas, que venham cada vez mais espetáculos modernos e
atuais de teatro, como este, Céus, que enriquece a cena teatral carioca e nos
coloca no circuito mundial dos bons espetáculos de autores contemporâneos ao
que estamos vivendo. Aplausos para toda equipe e desejos de que os produtores
continuem nesta linha de trazer espetáculos sobre o oriente médio para nós.
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