O momento é tenso. O Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo. Mais
que o Estado Islâmico. A média é de 1 a cada 25 horas. Precisamos falar sobre
isto. Não consigo entender qual é o problema da pessoa ser quem ela tem vontade
de ser e o que é que as outras pessoas têm a ver com isso. O que é que choca
tanto na cena de amor entre duas pessoas nascidas no mesmo sexo? Gênero não é
binário. Não somos um programa de computador onde só existe a numeração 1 e 0.
Somos muitos gêneros. Infinitos. Cada um é um. O amor que cada um vive é
exclusivamente seu. E não importa a ninguém. Quanto mais este amor for
recíproco, melhor ainda. Portanto, vamos amar!
Está em cartaz no CCBB do Rio, depois da estreia em Brasília, o espetáculo “L, o musical” escrito e dirigido por Sérgio Maggio. A história começa no final do último capítulo de uma novela, alto ibope. A autora prepara um final surpreendente, jamais visto na tv: um casamento triplo entre mulheres. Sucesso total! Com tamanho sucesso, a autora tem um piripaque e vai parar no hospital. Sua volta ao convívio dos amigos mostra que ela mudou. Pensa numa viagem longa, dispensa convites para nova dramaturgia e deixa todos preocupados.
Corta para: seu grande amor. Uma atriz talentosa, daquelas de filas na porta, cujo último dia de apresentação no teatro coincide com o fim da tal novela. Casa lotada, gente voltando. Sucesso.
Ah, o amor... pode não estar do lado, pode mudar de cidade, mas o amor, aquele que a gente sabe que é especial, não acaba. Pode casar com outro, mas será sempre o amor da vida. E é este o amor entre a escritora e a atriz.
A peça é uma novela o tempo todo, com personagens se revelando, emoções fluindo, reviravoltas. Uma filha exilada que vence um reality show, a namorada que deseja mudar seu corpo, a casada que se descobre lésbica, só bomba!
Sergio faz uma direção segura e interessante, alterna cenas de drama, com música e humor. As vezes a ironia da letra dá lugar ao choro da plateia; sabe dosar a presença e o suspense daquela história. Destaque para o início do espetáculo onde transforma o público na claque do último capítulo. Isto aproxima os espectadores da história. Integra. Um acerto.
No palco, o cenário de Maria Carmen de Souza resolve bem a projeção na cortina de teatro e o palco que serve de cama. Os manequins mostram que ali qualquer um pode se encaixar na história. O figurino de Carlo Lobato, sinônimo de talento e bom gosto, é uma beleza. O desenho de luz de Aurélio de Simoni é sempre uma aula. A direção de movimento de Ana Paula Bouzas contribui para o ótimo andamento do espetáculo.
A direção musical de Luiz Felipe de Lima nada naquelas canções escolhidas a dedo para contar a história e ilustrar determinados momentos da peça, como o reencontro da escritora com a atriz, na música “Retratos e Canções” - “Hoje eu me peguei, pensando em você...” sucesso de Sandra de Sá. Além disso, temos Isabela Taviani, Zélia Duncan, Ana Carolina, Lecy Brandão, Mart’nália... uma seleção impecável! Aplausos para as instrumentistas Alana Alberg, Marlene de Souza Lima, Nathália Reinehr e Janá Sabino.
O elenco afinado (em todos os sentidos!) é composto por ninguém mais ninguém menos que Ellen Oléria (aquela voz e presença que nos arrancou o coração num programa musical de televisão), Elisa Lucinda (multimídia que vai de Fernando Pessoa a Parem de Falar Mal da Rotina), Renata Celidônio (a baiana mais carioca e com a voz mais bonita dos espetáculos de teatro musical da cidade), Gabriela Correa (atriz de sucesso em Brasília com uma afinação impecável), Tainá Baldez (doce e meiga com carisma no olhar) e Luiza Guimarães (que mantém a plateia sob seu comando do início ao fim do espetáculo!). Um conjunto pra ninguém botar defeito. Cantam, dançam e representam com grande competência. É imenso o prazer de vê-las dedicadas e felizes no palco.
É hora de falarmos de amor. Seja ele de que forma for, porque as formas que aí se apresentam, cheias de preconceitos e intolerância não estão dando muito certo. Que beleza e que prazer assistir a “L, o musical”, que trata de todos os assuntos do momento com competência e qualidade. Vida longa ao espetáculo!
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