quarta-feira, 6 de julho de 2022

JOÃOSINHO E LAILA : Ratos e Urubus, Larguem minha Fantasia

Foto: Cláudia Ribeiro

A primeira vez, a gente não esquece: Caprichosos de Pilares, grupo de acesso, ala do sorveteiro. Aceitei. Fomos buscar fantasia, trouxe no saco preto pra casa. No dia marcado, lá fui eu pra Presidente Vargas. Não lembro se era do lado do “Balança-mas-não-cai” ou dos Correios. Aquela muvuca, zona, bagunça de gente com fantasias diversas e diferentes, uma gritaria, um povo alegre e outros preocupados, uns chefes de ala tensos, umas baianas desmontadas, os carros alegóricos lindos e imensos... Achamos nossa ala pois havia um pitoco com o número acima das nossas cabeças. “Isso não vai dar certo... é impossível! Muitas variáveis para dar errado! O risco é imenso!”. Ah, eu sabia o samba, tá? Era sobre chocolate o enredo. “É bom, que bom, bombom / Gostoso é o que você me dá / Chora cavaco, bate bum bum / Vem no meu samba, vou comer mais um”... só de lembrar, os zóio ficam cheios de água. É inesquecível. 

A escola “armada” na concentração, do nada, do nada, começa a andar... as alas se formam como por milagre, os carros se colocam entre as alas e a gente vai atrás. De repente, a escola vira pra Sapucaí... e ali, a emoção toma conta num tamanho único; o mundo todo está te olhando, te aplaudindo, te cantando, te torcendo, junto contigo. É a maior emoção da vida. É a alegria mais pura que um ser humano pode experimentar.

E foi essa a emoção que tocou minha alma e corpo quando começaram os primeiros acordes de “Beija-flor, minha escola / minha vida, meu amor”, no teatro de arena do SESC Copacabana começando a peça “Joãosinho e Laíla”. Dali em diante, nem precisei piscar os olhos para irrigá-los. Chorei mesmo.

O belíssimo texto de Márcia Santos tem tudo que uma boa dramaturgia de teatro precisa: pesquisa, personagens bem construídos, enredo, trama, uma questão a ser resolvida no fim da peça, impasses e desafios durante. Joãosinho Trinta é o carnavalesco da Beijar-Flor (carnaval de 1988 - construção / 1989 - desfile). Laíla é o diretor de carnaval/harmonia da escola. Um é o corpo, o outro a alma. Joãosinho é o gênio criativo, Laíla é o meticuloso perfeito. Obvio que atritos aconteceram. A pergunta da peça: será que eles vão conseguir apresentar o enredo “Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia” com competência? A resposta já sabemos. Mas aguardamos até o final para saber “como será reproduzido” na peça.

Wanderley Gomes assina o figurino e a cenografia perfeitos. Um barracão minimalista cuja mesa vira Cristo Redentor no final. Sabe quando, ainda na concentração, o carro alegórico precisa abaixar pra passar sob a passarela ou o viaduto? Ou quando precisa abaixar pra passar na (antiga) “Torre da Imprensa”, quase na Apoteose? Pois foi assim que, “do nada”, a mesa virou Cristo Redentor. Igual aos carros alegóricos na avenida! Gênio!!

Valdeci Corrêa cria uma luz bonita e competente. Marcelo Alonso Neves é sempre perfeito na direção musical. Foi lindo relembrar os sambas da agremiação de Nilópolis! Colocar ritmistas era o obvio, mas, além disso, eles brincam com os instrumentos e fazem parte das cenas como personagens. Ótimo! Marlon Júlio é o assistente da direção musical e Felipe D’Lélis fez os arranjos da bateria. Os músicos: Felipe D’Lélis, Leo Antunes, Marlon Júlio, Juliane Procópio, Markinhos e Vitor Medeiros.

O ótimo elenco tem como protagonistas Wanderley Gomes (Joãosinho) e Cridemar Aquino (Laíla). Entregues, seguros, firmes. Os dois brilham ao seu tempo. São homenagens perfeitas. Anna Paula Black tem seu melhor momento como Tia Eulália, e ainda brilha como Rosângela. Fabio D’Lélis encanta com seus Jenilson e Hamiltinho. Mas, se me permitam um aplauso um pouco maior, Milton Filho é pura alegria, beleza e generosidade em cena. Sempre que está presente sabemos que tem coisa boa. 

E, não menos importante, Édio Nunes. Idealizador e diretor, sua sacada em montar esta peça é ótima. Um recorte do que seria a preparação do desfile mais importante da Beija-Flor (pra mim, né!) na Sapucaí, o embate entre dois gênios: Joãosinho Trinta (que eu admirava!) e o Laíla (que eu temia!), as fofocas de bastidores, o Cristo Mendigo, a solução pra entrar na avenida... Édio controla e comanda este espetáculo como num desfile: arma o elenco e os carros alegóricos (mesas) no palco, depois, no final, ele explode os corações na maior felicidade com o belíssimo, marcante e inesquecível desfile concentrado no Cristo coberto e depois empapelado com matérias de jornais. Édio é puro carnaval. Sua direção é como diz o samba: “Firme, belo perfil / Alegria e manifestação. Eis a Beija-Flor tão linda / Derramando na avenida / Frutos de uma imaginação”. Aplausos de pé com olhos cheios de água.

Na fantasia do sorveteiro, tínhamos um isopor que colocamos cerveja e bebemos durante o desfile. Meu sapato se desfez, cheguei descalço na apoteose. Nunca chorei tanto na minha vida quanto depois daquele desfile. De alegria, emoção e realização. A Caprichosos de Pilares foi rebaixada na apuração daquele ano em que eu desfilei... 

Leba laro, ô, ô, ô / Ebo lebará, laiá, laiá, ô / Leba laro, ô, ô, ô / Ebo lebará, laiá, laiá, ô.

Vida longa ao espetáculo Joãosinho e Laíla. Aplausos incansáveis de pé.

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