sábado, 1 de outubro de 2022

COMO SOBREVIVI A MIM MESMA NESTA QUARENTENA

Quem sobrevive a um isolamento social, a um vírus letal e a um governo do mal, sobrevive a tudo. Até mesmo ao pós-morte. Ficará vivo pelas histórias contadas, pelas memórias registradas, pelas lágrimas e gargalhadas acumuladas e derramadas.

Quando assisti ao espetáculo CAOS, da autora e atriz Rita Fischer, descobri uma intensa artista, que expurgava pela palavra as agruras da vida mundana. Rita olhava para fora, para o mundo podre que a cercava, a confundia e a agredia com a desordem que se encontrava tudo. Isso em 2019. Ai, no ano seguinte, vem a pandemia e cria o pandemônio na vida de todos nós.

Na peça COMO SOBREVIVI A MIM MESMA NESTA QUARENTENA, Rita olha para dentro de si, do mundo, do apartamento, de sua trajetória. A peça é um apanhado destas histórias vividas, postadas e gravadas por Rita Fischer – por ela mesma! – no Instagram.

Esperta como sempre foi, Rita, isolada, resolveu comunicar-se com o mundo através da onda de lives e vídeos de Stories. A auto-convivência forçada fez várias descobertas na vida da atriz/autora. Manhas e manias evitadas por um dia a dia comum, agora ficam explicitadas e intensificadas, pois, só tendo a si mesma para conviver, a personagem se dá conta que tem que sobreviver a algo letal mesmo sendo hipocondríaca; tem que se manter bela e faceira com os cremes, escovas e maquiagem apenas com o disponível em casa; precisa ir ao mercado rápido e higienizar tudo, literalmente, antes que a “não-gripezinha” a pegue de jeito. Enfim: o que tinha tudo para ser uma vida pacata, se transformou em uma micro-selfie-zona!

No palco, temos a atriz, dona de si, com seu esvoaçante vestido multiuso acompanhada de uma fiel e escudeira cadeira. Ali, Rita, mesmo vestida, está nua diante do público. Sabe quando a gente diz para si, em voz alta, aquilo que jamais poderíamos dizer na frente de alguém? Rita diz. Sabe aquela soma de palavrões cabeludos, os segredos nem revelados ao terapeuta, as propostas indecentes e sonhos não realizados que temos? Rita conta. A atriz-autora fez uma seleção caprichada, em cima de um material bruto e traz um texto divertido, desnudo e intenso.

“O nosso amor, a gente inventa, pra se distrair”. Além de tudo, a personagem, que sofre com sua solidão imposta, cria para si uma aventura com um vizinho de prédio. Ali, ela dá vazão a sua caça-animalesca de um animal enjaulado e, nos poucos momentos de “passeio na rua”, ao encontrar o vizinho, se declara e se exibe. É gargalhada na certa.

Assina a direção Thiago Bomilcar Braga, que deixa a atriz livre para criar em cima da própria criação. Porém, sob ameaças fortíssimas, impede a mesma atriz-autora de fugir do texto e mergulhar por mares ainda não navegados.

Na luz temos Jack Santtoro fazendo das tripas coração para iluminar o micro-palco do Espaço Provocações. A trilha sonora traz a força de Edith Piaf, mulher forte tal qual a personagem.

Atuar, escrever, produzir, divulgar, convidar e agradecer no final... é tudo culpa e mérito de Rita Fischer, que nos alimenta, brinda e alegra com reflexões, verdades, 3% de mentiras e muita entrega. Rita não para um minuto. Espoleta, metralhadora, segura e consciente de como manter os olhos da plateia atentos, aproveita cada minuto em cena para mostrar todo seu talento.

Como sobrevivemos a nós mesmos na quarentena e na pandemia é livro aberto para várias tribos. Rita já fez a parte dela. Online e presencial. Registrou tudo para outros rirem, aprenderem e reviverem este momento único e trágico na nossa geração.

Que o espetáculo sirva de referência positiva  de como transpor do online para o presencial sem perder a qualidade e a intensidade. Vida longa a COMO SOBREVIVI A MIM MESMA NESTA QUATRENTENA e aplausos de pé para a mega-plex-hiper-ultra talentosa Rita Fischer!


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