É sábio o dito popular : “Há três coisas na vida
que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a
oportunidade perdida”. Uma vez falado, fica complicado consertar. E se eu não
tivesse falado nada?? Fazer cagadas deste tipo é típico de sagitarianos. Como
bom exemplar do signo, aprendi que não se deve passar a mão na barriguda perguntando para quando é o bebê; a não perguntar para o amigo
sobre o companheiro apresentado no último encontro; e não questionar sobre o
almejado projeto, se deu, ou não, certo. É desconcertante a resposta: estou
gorda, não grávida; o outro me deixou recentemente; o projeto foi por água
abaixo. Dar conselhos, muito menos. “Ah, se você tivesse feito o que eu sugeri,
não estaria nesta situação”... isto só piora. Pelo simples fato de que o “se”
não existe. Se eu tivesse continuado na engenharia, talvez não tivesse blog de
teatro... O “se” é a eterna duvida. E, após o malfeito, o que nos resta é o
remorso.
Está em cartaz no Teatro Gonzaguinha, no Centro de
Artes Calouste Gulbenkian, o ótimo espetáculo Antologia
do Remorso. A anta que vos escreve recorreu ao nosso amigo Google e confirmou o
que já sabia, mas queria uma definição melhor: “Antologia é o termo usado para categorizar coleções de obras curtas, tais
como histórias curtas e romances curtos, em geral agrupados em um único volume
para publicação”. Pois na peça estão reunidos textos curtos de Flávia Prosdocimi,
onde o tema remorso é recorrente. Quando li o titulo, imaginei imediatamente
uma novela mexicana do SBT. Estaria eu caindo na armadilha do preconceito? E se
não fosse isso? O jeito era conferir de perto.
É inegável que a autora bebeu na fonte de Nelson Rodrigues. Impossível
não lembrar do cronista e dramaturgo ao longo do espetáculo. Depois da terceira
história, já temos a certeza de que vem mais uma morte e ficamos ansiosos por
saber como e quem vai morrer nas histórias.
Em todos os contos, além do remorso, temos a família
brasileira representada. Ora um marido ciumento, ora uma esposa
fogosa. Um carnaval serve de pano de fundo, uma criança é o alvo da cena. A
forma de escrever, em parte narrando, em parte diálogo, é muito bem resolvida
pela autora, que tem mão firme e sabe ser econômica. Não me recordo de ter
visto recentemente nenhum autor que se aproxime tanto de Nelson Rodrigues
quanto Flávia. E isto é uma dádiva. Pra mim, ainda hoje, Nelson Rodrigues é o
melhor exemplo da boa dramaturgia brasileira. E Flávia chega para preencher uma
lacuna. Aplausos.
No palco, a cenografia é composta apenas de 3 cadeiras que,
por milagre, inteligência e criatividade, guardam, nos assentos, parte do
figurino que é trocado ao longo da peça. Mérito (cenário e figurino) de Júlia
Marina. A iluminação, de Tiago e Fernanda Mantovani, completa o cenário, dá
ainda mais vida às cenas, cria sombras e míseros espaços cênicos, auxiliando, e
muito, todo o trabalho da direção e atores. Uma das melhores iluminações de
espetáculos de teatro deste ano.
A direção é de Daniel Belmonte que sabe muito bem onde quer
chegar. Caprichando na interpretação, pausas e degustação das palavras, Daniel
explora tudo que o texto lhe oferece. Acerta nas entonações, é atento na dicção,
nos momentos em que, mesmo sendo narrado, o texto pode ser interpretado, no
intervalo entre os contos, na inserção sonora, na escolha da trilha (que muitas
vezes completa a ação e valoriza o conto) e, além de tudo, explora o palco com
inteligência. Nada ali é gratuito. Certamente houve uma contribuição dos atores
na movimentação de palco, e, inteligentemente, Daniel aproveitou tudo que cabia
e seria favorável ao espetáculo. Aplausos.
O elenco é composto por três jovens, inteligentes e
talentosos atores. Todos se destacam e aproveitam cada
palavra, cada cena, cada monólogo como se fosse a joia mais preciosa do
momento. O trio formado por Elizabeth Monteiro, Gustavo Barros e Tiago D’Ávila
bate uma bola redondinha. Cada um se entrega aos personagens com gosto, com
prazer. Se divertem em cena, é notável. Entram num jogo familiar a cada novo
conto, novo texto, e deixam a plateia com água na boca e boquiabertos.
Excelentes atuações, o que prova, cada vez mais, que o teatro carioca está vivo
e seus novos atores chegam com força no mercado, querendo espaço e
reconhecimento. Ótimos!
Antologia do Remorso, embora sem um título convidativo, é um ótimo espetáculo. Ali está o que há de melhor no teatro carioca do
momento: texto de qualidade, direção certeira, atores dedicados e equipe
competente. Torço para que a peça tenha ainda vida longa e rode a cidade (e o
país) de norte a sul, mostrando um pouco da atualidade de Nelson
Rodrigues sob um olhar jovial e moderno de Flávia Prosdocimi, Daniel Belmonte e
os atores.
A peça fica em cartaz até o fim de agosto. Então, reserve na
agenda um dia (de sexta a domingo) para assistir ao espetáculo, abraçar os
atores no final, e, depois, sair para discutir tudo aquilo que viu no
palco do Teatro Gonzaguinha. É mais um dos espetáculos que recomendo.
Certamente você, assim como eu, ficará ainda mais apaixonado pela arte de
representar. Aplausos de pé com gritos de Bravo!
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