Vou ao teatro regularmente duas ou três vezes por semana, o que me permitiu assistir aos mais variados gêneros e aprender, por osmose, sobre autores, diretores, apreciar cenários, luz e figurinos de espetáculos de teatro. Assisti O Jardim das Cerejeiras, com Tônia Carreiro, e Tio Vânia, no Parque Lage, encenada dentro da piscina, com Diogo Vilela, Débora Bloch e Rogério Fróes. Também vi Tio Vânia pelo Grupo Galpão – sou fã de carteira assinada deles – e A Gaivota com a Companhia dos Atores, no Teatro Poeira.
Recém estreado no Teatro dos Quatro, a peça Vanya e Sonia e
Masha e Spike, comédia de maior sucesso na Broadway em 2013, vencedor do Tony
Awards de melhor peça produzida pelo Lincoln Center em NY (dados do núcleo de artes
cênicas da Faap). A comédia traz referências divertidas às obras do dramaturgo
russo Anton Tchecov: O Jardim das Cerejeiras, Tio Vania, As Três Irmãs e A
Gaivota. É divertidíssimo descobrir as referências das peças de Tchecov neste
texto atual de Christopher Durang, brilhantemente traduzido por Bianca Tadini e
Luciano Andrey. Nossas referências brasileiras são mais bem vistas na
personagem da diarista, porém o comportamento de alguns jovens viciados em smartphones
e no deslumbre com atores famosos está lá presente, em qualquer lugar do mundo.
Na peça, a chegada de a irmã, atriz famosa, acende para os dois irmãos que habitam a casa antiga da família, conflitos engolidos durante muito tempo. Com muito humor e diálogos verdadeiros, a presença do namorado mais novo da atriz famosa e uma festa a fantasia na vizinhança servem para animar o dia tedioso daquele lar. A vidente empregada e a ninfeta vizinha acrescentam humor, cumplicidade, ciúme, inveja e luxúria ao clima de campo. A irmã famosa deseja vender a casa para diminuir as despesas e a trama caminha com tanta leveza e carisma, que ficamos sem saber de que lado estamos, pra quem torcer para o final feliz.
O belíssimo cenário de Attílio Baschera e Gregorio Kramer –
um dos mais bonitos da temporada 2015 - é uma varanda que dá vista para o lago,
numa cidade do interior. Cheio de flores, é uma pena que tenha sido cortado,
uma vez que a altura do palco do teatro carioca não permite incluir o segundo
andar que havia no cenário da temporada paulista. O figurino de Theodoro
Chocrane é ótimo. A elegancia da atriz famosa, as fantasias da festa, os
pijamas e o colorido do garotão estão em harmonia com as personalidades dos
personagens e vestem bem o elenco. A luz de Ney Bonfante capricha nas passagens
das horas, e dias, valorizando o colorido da história. A trilha sonora de
Fernando Fortes é perfeita: passarinhos ao amanhecer, músicas durante passagens
de tempo e nos momentos solo da diarista, fazem toda a diferença para que
possamos estar dentro da tama.
No elenco, Teca Pereira, como Cassandra, interpreta uma
hilária diarista-vidente, sendo responsável pelas gargalhadas do público.
Patrícia Gaspar, a irmã Sônia, adotada, cheia de questões sobre “o que fiz da
minha vida até agora e como vou seguir neste marasmo total”, nos faz ficar com
vontade de abraça-la. Seu melhor momento é a cena ao telefone após a festa a
fantasia. Marília Gabriela é Masha, a irmã-famosa que, na sua chegada, se
apresenta cheia de nariz empinado e humilhação aos irmãos, mas que muda com o
passar da história. A mudança de seu comportamento é muito bem realizada por
Marília Gabriela. Sem falar que “Gabi” é linda, alta e talentosa! Elias
Andreato, Vanya, é um show. Desde sua entrada em cena ao último suspiro, o foco
da plateia é imediatamente chamado para ele ao começar a falar. O desabafo de
Vanya, na segunda parte da história, é aplaudido por longos momentos. Bruno
Narchi é Spike, o garotão-valete da atriz famosa, que explora seu corpo para
deixar todos à sua volta envolvidos por sua beleza. Spike é típico
ator-modelo-cabeça-vazia, provoca os demais personagens e flerta sem pudores.
Não menos importante, Juliana Boller é Nina, ninfeta vizinha que se apaixona
mais pelos textos teatrais de Vanya do que pela beleza física de Spike. Um
elenco bastante afiado e talentoso. Aplausos efusivos.
Comandando tudo, Jorge Takla, um mestre em todos os
sentidos, na direção de espetáculos de sucesso. É sempre um prazer ver seus
trabalhos no palco. Diretor minucioso, diretor de ator e de cena, se preocupa
tanto com a importância de um simples telefonema quando na ocupação de todo o
palco, e cenário, para que se tenha um espetáculo de excelente qualidade para o
público.
Saí do teatro com a certeza de que ter assistido a várias
peças ao longo destes anos não foi em vão. Com Vanya e Sonia e Masha e Spike
tive o prazer de reconhecer trechos, personagens, histórias e comportamentos de
outras peças de Tchecov.
A peça é fantástica: humor de primeiríssima qualidade, texto
inteligente, diálogos possíveis, elenco coeso, ótimas interpretações, direção,
cenário, figurino, trilha e iluminação que qualquer prêmio de teatro ficará
feliz em oferecer para esta produção. Um momento único e feliz no teatro
carioca. Não percam. Espetáculo obrigatório.
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