Há pouco tempo, vimos na tv embates aos domingos entre Faustão
e Gugu pela audiência. Um atacou de Mulher-Sushi. O outro de entrevista com facção
criminosa. Não importava a qualidade do quadro, mas manter as pessoas ligadas
no canal. Tivemos também a estreia do Pânico na Tv, onde ridicularizar o povo
era a piada. Surgiram apresentadoras-polêmicas: Márcia Goldshmith e Cristina Rocha,
onde o que vale é o povo na tv, se estapeando. Ratinho chegou e juntou tudo
isto no seu programa, que, no início, levou a Vênus Platinada a arrancar os
cabelos, com as brigas no palco por conta do exame de DNA, matérias de apelo
sexual e histórias do povo, para o povo. É esta a voz de Deus? “Aqui e Agora” e apresentadores Marcelo Rezende e Datena,
viraram febre dentre as vozes oprimidas. As agruras e mazelas (duas palavras
que só usaria mesmo neste espaço!) do dia a dia elevadas à enésima potência
mantêm audiência. Até quando?
Criado em meados de 1940 nos EUA e apresentado por um
jornalista que faz debates ao vivo, escolhendo a melhor (ou pior?) história
para dar voz aos que precisam desabafar, nasceu um programa de rádio que gera bate-papo
entre ouvintes e deixa a audiência lá em cima. Assim é, resumidamente, a linha
dramática da peça Talk Radio. Vários ouvintes são postos no ar, pelo comunicador,
e seus dramas são, ora botando dedos nas feridas, ora achincalhados, pelo próprio
comunicador. E todos gostam! O texto premiado do autor Eric Bogosian e traduzido
por Leonardo Franco, é inteligente tanto em diálogos, drama, quanto na tensão.
Leonardo Franco é Barry Champlain, o comunicador. Um ótimo
trabalho de composição. Voz de locutor afiada, nos faz ficar com raiva, medo e
torcendo para que ele implique, sacaneie e diga umas boas verdades ao ouvinte
do momento. Uma grande interpretação! Stela Maria Rodrygues faz uma assistente
de estúdio (e também ouvintes da rádio) com interesse pelo locutor. Linda em
cena, Stela mostra um lado de atriz neste espetáculo, bastante diferente dos
musicais que participa. Alexandre Varella é Dan, o produtor e outro ouvinte,
que enfrenta e ameaça Barry; Marcelo Aquino é o fiel assistente de estúdio,
sempre tomando bronca de todos os lados (como sempre, a culpa é da produção...);
Bernardo Mendes faz Kent, um drogado que liga para a rádio dizendo que sua
namorada está morrendo aos seus pés. Será verdade? Será pegadinha? A tensão
deste personagem gera ótimos momentos na peça. Raul Franco faz vários ouvintes,
sempre diferentes um do outro, e com bastante competência. E Mariana Consoli é
ótima até dormindo! Como vem crescendo ao longo das peças que trabalha!!!
José Dias assina uma cenografia que auxilia a direção, com estruturas
de ferro que permitem movimento dos ouvintes, deixando-os mais altos, ao fundo
do palco, e uma mesa de locutor com tudo que é preciso para aquele trabalho. Uma
aula de cenografia adequada e funcional. O figurino de Luana de Sá, em tons escuros,
valoriza as expressões faciais, a palavra, e deixa claro o clima sombrio do
estúdio, das vidas, dos dramas. A luz de Adriana Ortiz complementa a
cenografia, se faz presente pela qualidade de sombras e focos. A trilha sonora
de João Paulo Mendonça é acertada e Cynthia Reis contribui favoravelmente na
direção de movimento.
Maria Maya é craque. Como atriz e, agora como diretora,
nascida em berço esplêndido, tem no DNA a sabedoria de conduzir uma história.
Como tudo se passa num estúdio, os ouvintes não poderiam estar apenas em vozes
em OFF. Maria traz, não só para a cena, como os coloca em destaque, sem ofuscar
o comunicador. Além disso, monólogos de alguns personagens da rádio são muito
bem incluídos no ambiente, fazendo a plateia de cúmplice, aproximando-os do
palco. Gosto muito de ver como, além de ótima atriz, Maria Maya vem se realizando
trabalhos competentes, escolhendo boas peças para dirigir. Merece um reconhecimento.
Claudia Ricart é a diretora assistente com grande experiência que contribui
para este belo trabalho do conjunto.
Hoje em dia, com a internet, e as redes sociais, estamos
vendo uma “legião de imbecis” tendo voz. Agora, com blogs, facebook e twitter,
gente como eu, imbecil total, pode falar o que quiser, sem precisar de um locutor,
comunicador, apresentador, esperar sua ligação telefônica ser atendida, para
falar as asneiras e verdades, desabafar e denunciar, propagar inverdades e
defender injustiçados. Recentemente vimos brigas por conta das tragédias diferentes
entre as barragens rompidas de lamas tóxicas em Minas Gerais, e o fuzilamento e
explosão terrorista de inocentes que estavam se divertindo em uma capital europeia.
Tragédias anunciadas e bastante diferentes, mas cujas vozes dos imbecis de
plantão criaram uma outra guerra. Culpa da mídia que explora os dramas com
parcialidade? Culpa da rádio, que, lá atrás, em idos de 1940, deu voz aos
trágicos dramas do cotidiano?
Talk Radio é um espetáculo sobre como o indivíduo perdeu a importância, diante da necessidade capitalista do “temos que vender, temos que dar audiência, temos que valer os patrocínios”. E afinal, não é tudo uma questão de “quem dá mais”?. Vá já ao Teatro Solar de Botafogo, um dos meus favoritos no Rio de Janeiro, e se envolva com este ótimo espetáculo!
"Redes sociais deram voz a legião de imbecis, diz Umberto Eco" - matéria abaixo
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2015/06/11/redes-sociais-deram-voz-a-legiao-de-imbecis-diz-umberto-eco.jhtm
Talk Radio é um espetáculo sobre como o indivíduo perdeu a importância, diante da necessidade capitalista do “temos que vender, temos que dar audiência, temos que valer os patrocínios”. E afinal, não é tudo uma questão de “quem dá mais”?. Vá já ao Teatro Solar de Botafogo, um dos meus favoritos no Rio de Janeiro, e se envolva com este ótimo espetáculo!
"Redes sociais deram voz a legião de imbecis, diz Umberto Eco" - matéria abaixo
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2015/06/11/redes-sociais-deram-voz-a-legiao-de-imbecis-diz-umberto-eco.jhtm
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