Aí você conhece uma pessoa nova, um alguém que te faz ver
estrelas, gargalhar à vontade, pensar sobre coisas novas. E o convívio torna a
pessoa cada vez mais interessante a ponto de ficar com vontade de prendê-la
numa gaiola para que seja só sua. E você prende. E aquele amor, aquela
história, estaciona o tempo. Nada ao redor tem importância, a não ser a
relação. Isso funciona tanto para um novo amor, um novo amigo, ou mesmo para um
bicho de estimação. Conheço filhos que vivem em gaiolas impostas por seus pais
e deixam de viver, de ganhar anticorpos para enfrentar a vida e o mundo que os
cerca.
Apenas hoje e amanhã na Mostra Teatro Para Todos, no Teatro Carlos Gomes (RJ), a peça infantil A Gaiola, cuja base é o livro infantil de mesmo nome, criação de Adriana Falcão e Eduardo Rios. A peça, que de infantil só tem a estampa, fala sobre amor, ciúme, culpa e posse. E para crianças, onde os adultos ficam com nó na garganta do início ao fim. Um passinho cai no jardim da menina e o amor entre os dois é imediato. Ela cuida dele, ele fica agradecido. Eles conversam de um jeito único, troca de afagos e gorjeios. Ele canta para ela. Ela o alimenta e cura o machucado. Eles se alimentam no amor. E já que estão tão apaixonados, a menina coloca o passarinho na gaiola para que eles possam viver juntos. Ao longo dos dias, a alegria reina. Mas... algo acontece.
O mais interessante no texto é que não há embates ou
discussão de relações, mas sim, a situação vista pelos olhos de um e pelo
pensamento do outro. O que eu penso sobre mim, o que eu penso sobre o outro.
Como me sinto nesta situação, como será que ele se sente. Sim, existe diálogo,
mas – sabiamente – os autores optaram pelos conflitos internos, que geram o
ciúme, a culpa e a criação de hipóteses nem sempre verdadeiras sobre uma
situação (seja ela qual for). Não posso falar muito pra não estragar o
espetáculo. Então, vá assistir.
No palco, o cenário limpo de João Modé permite que a direção
crie imagens lindas. Destaque para a GENIAL gaiola que é construída em cena.
Também elegante e leve é o figurino de Flavio Souza. Tudo muito bem iluminado
pelo competente e premiado Renato Machado. Ricco Viana assina a direção musical
e trilha original e nos faz sair do espetáculo com a boa musica ecoando no
ouvido. Cantando.
Carol Futuro é uma menina mesmo, não temos dúvida. Ela se
comporta, se move, fala, pensa como tal. Do pé aos olhos. E canta que é uma
beleza! E o passarinho é Pablo Áscoli, sábio ator que se utiliza de minúcias
para criar um passarinho mínimo, mesmo sendo um homem alto. E também canta que
é uma beleza!!! Os dois, integrados, entregues, emoções nos olhos, fazendo dos
seus corpos a mais pura expressão de sentimentos e de arte.
Duda Maia é a diretora geral e de movimento. Gênia. Em alto
grau de competência e criatividade. Duda explora o movimento como contação de
história. Tanto num rabo de olho, quando num abraço expansivo, quanto na
entonação correta das palavras. Tanto no andamento rápido dos dias que passam, quanto
no momento em que só a música salva. Duda, coincidentemente, nos mostrou toda a
beleza e a tristeza do fim do romance em Auê e agora nos mostra algo similar,
também com grande emoção e verdade cênica. Já disse antes e repito: Duda é
gênia. A prova é a qualidade dos seus dois trabalhos que assisti: A Gaiola e
Auê. Se no primeiro o linguajar e o comportamento é para crianças e no segundo
o foco é o adulto, seu trabalho comove toda a plateia, que sai do teatro pronta
para pensar e agir sobre o mundo ao redor.
Despois de tudo dito, impensável perder este espetáculo.
Precisamos falar sobre o amor, sobre o que estamos fazendo nas relações, como
nos comportamos, prendemos, somos possessivos, e o que é preciso fazer para
libertar o outro de nós mesmos, para que ele possa voar alto e voltar sempre. A
máxima de que se desejas ter um passarinho preso basta deixar a porta da gaiola
aberta é verdade. Liberte aquele que você ama e tenha a certeza de que ele será
seu – de alguma forma – para sempre. Viva o amor. Viva Adriana Falcão, Duda
Maia, Carol Futuro e Pablo Áscoli. Tomara que A Gaiola rode o Brasil e que
fique muito tempo em cartaz.
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