Sou fã de romances policiais e livros de suspense. Agatha Christie e
Sir. Arthur Conan Doyle povoaram minha adolescência. Depois, com o cinema, a
paixão por “O Iluminado” e “Jogos Mortais” venceram fácil a “Sexta-feira 13”.
Se o suspense for inteligente, como “O Silêncio dos Inocentes” (meu filme
favorito), melhora muito!! E daí para a literatura do gênero foi um pulo.
Fui apresentado ao Raphael Montes e viramos amigos instantaneamente. Li
Dias Perfeitos, depois Vilarejo, assisti à peça Suicidas e começo a ler o
Jantar Secreto. É um dos autores jovens nacionais que mais admiro, tanto pelo
talento da escrita fácil e rápida, quanto pela inteligência ao produzir tramas
assustadoras e possíveis. Nada previsíveis, bem embasadas teoricamente, com a
pesquisa feita respeitando as leis da física, química, sociais e da natureza.
Trocamos mensagens sempre que a saudade aperta ou para indicar um passeio que
renda uma coluna no O Globo, sua casa das segundas-feiras. Sou fã além do
amigo.
Ano passado, seu primeiro livro, Suicidas, virou teatro (Roleta Russa).
Agora seu segundo, Dias Perfeitos, uma história de amor, loucura e obsessão, acaba
de estrear no Teatro Cândido Mendes, minúsculo celeiro de boas peças. A tarefa
da adaptação cabe a Cesar Baptista, mesmo adaptador e diretor da transposição
do primeiro livro para peça.
É claro que tendo lido (e amado) o livro, a gente sempre espera que o
universo criado na nossa cabeça seja o mesmo apresentado tanto num palco quanto
numa tela de cinema. Nesta montagem, Cesar Baptista apresenta os personagens
resumindo rapidamente a primeira parte do livro. Em dois monólogos, ficamos
sabendo com os personagens principais se conheceram, rápidas características de
cada um, o primeiro encontro e os motivos que levaram Teo a sequestrar Clarice
e os desdobramentos disso. A segunda, e maior parte da peça, é a relação entre
sequestrador e sequestrada, como viveram durante o tempo de cativeiro, causas e
consequências de suas ações. Por fim, a terceira parte, onde tudo se revela, as
justiças são feitas (ou não) e a vida segue seu rumo. Sem volta. Cesar Baptista
consegue manter o suspense do livro no palco e isto é o mais importante para os
fãs de Raphael Montes.
O micro palco de 4 por 4 metros do Cândido Mendes não permite muitas
firulas, mas Igor Alexandre Martins solucionou o cenário muito bem.
Criativamente uma grande mala rosa ao fundo do palco e várias malas de viagens
viram cama, casa, delegacia, barco, carro. Solução ótimas para a mãe de Téo e a
cena do afogamento. Mas é imperdoável Clarice não ser transportada numa mala
rosa... O figurino, também de Igor, dão o tom de cada personagem, sem exageros.
A luz de Edson FM entra no jogo com competência e a trilha sonora do diretor
Cesar Baptista estão de acordo com um bom espetáculo de suspense.
Os atores Dani Brescianini (Clarice) e Helio Souto (Teo) dão vida aos
personagens principais. Dani se sai um pouco melhor que Hélio, pois sua
personagem é mais comunicativa. Também no elenco, Arno Afonso, Leonardo
Vasconcelos e Virgínia Castelloes se dividem em vários papéis.
Cesar Baptista é um herói por levar ao teatro dois livros de sucesso,
do mesmo autor, e conseguir manter o suspense e a qualidade do texto escrito,
transformado em palavra falada. É uma tarefa muito bem realizada e produzida.
As soluções para os pesadelos de Teo, as cenas de violência física, a
utilização do micro palco, a cena do afogamento, dos passeios de carro, os
anões da pousada, a mãe de Téo, são ótimas. O suspense está mantido do início
ao fim e tenho certeza que quem não leu o livro irá acompanhar a história toda
sabendo bem o rumo de cada personagem.
Como fã da literatura e do teatro, admiro o casamento entre as duas
artes. Produzi em Salvador a montagem de uma peça infantil baseada num livro e
fomos premiados por isto. Desejo que Dias Perfeitos tenha vida longa para que
cada espectador vire um leitor compulsivo e que cada leitor vire um espectador
assíduo do teatro. Numa época em que patrocínios estão escassos, Cesar Baptista
consegue trazer para o Rio de Janeiro uma equipe toda de São Paulo para mostrar
um trabalho de qualidade e respeito a um dos maiores autores da literatura
nacional de sua geração, Raphael Montes. Vá ao teatro e se surpreenda com esta
história.
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