sábado, 25 de março de 2017

GISBERTA


Primeira viagem a Lisboa e me pediram para levar uma encomenda. Trouxeram um pacote, nem abri, guardei. Na alfândega portuguesa, abriram minha mala. Conversa vai, conversa vem, a senhorinha que vasculhava foi com a minha cara e parou a busca: “Gostei de ti. Podes ir.” Obedeci. Ao entregar a encomenda, o pacote foi aberto. Surgiu um vestido de canutilho, branco, no melhor estilo divas do mundo pop, engenhosamente dobrado para viajar sem ocupar espaço. E se fosse um pacote com drogas? Nem pensei nisso! O figurino foi entregue para Margô, transexual brasileira que ia se apresentar na cidade naquele fim de semana. Fomos assistir ao espetáculo da Drag, que me agradeceu, ao microfone, pelo transporte da roupa que usava naquele show.

A primeira vez que vi Luis Lobianco no teatro foi num espaço cultural em Botafogo, onde ele interpretava Marilia Tagarela. A melhor imitação que já assisti de Marília Gabriela! Foi ali que passei a segui-lo, admirá-lo e acompanhar sua carreira.

Está em cartaz no Teatro III do CCBB, Gisberta, excelente espetáculo contando um pouco da vida e da artista, sua vida em família, os amigos que fez em Portugal e seu trágico fim: assassinada na cidade do Porto em 2006 por um grupo de adolescentes. Coube a Rafael Souza Ribeiro a construção do texto. No começo, temos a infância e a adolescência, do pequeno Gisberto Junior, contadas de uma forma leve e divertida. Em seguida, a vida adulta e o inicio na carreira são ilustrados com números musicais. Por fim, a parte dramática pesada, culminando com a sentença do Juiz que condenou os jovens a meros 13 meses de reclusão. Rafael faz uma ótima costura entre depoimentos que nos dão a exata dimensão da grandeza de Gisberta.

No palco, o cenário de Mina Quental ocupa com competência o espaço, deixando músicos ora à mostra, ora escondidos, apenas com a alternância da iluminação no tecido. Ótima solução para os patamares dividindo realidade, sonho, show e proximidade com a plateia. A confecção da mesa com cadeira embutida é perfeita. O figurino de Gilda Midani permite que Lobianco, com um macacão e uma túnica, tenha a leveza necessária para contar a história. A belíssima iluminação do sempre competente Renato Machado nada num oceano de cores, com destaque para a luz vermelha e verde, cores da bandeira portuguesa, num determinado numero musical. A comovente trilha sonora, interpretada ao vivo, tem como diretor musical e pianista Lúcio Zandonadi, a flautista Danielly Souza e o clarinetista Rafael Bezerra.

A direção é assinada por Renato Carrera e este sabe conduzir o espetáculo de uma forma bastante leve e divertida até a metade, fazendo o publico se apaixonar por Gisberta, e tensa e assustadora na sua parte final, terminando com um belíssimo número musical que sintetiza a humanidade e o talento da homenageada. Gosto quando o espetáculo inclui a plateia, pedindo para cantar junto e dividindo confidências.

Luiz Lobianco dá vida a personagens importantes na história de Gisberta: familiares do sangue brasileiro e da vida portuguesa, um juiz, e ele mesmo, emprestando todo seu talento e competência para fazer um pouco de justiça a Gisberta. O melhor trabalho de Lobianco em toda a sua carreira. Superou até aquela Tagarela onde o conheci. Amadurecido, seguro e consciente de seu papel social como artista, Lobianco se entrega, enfrentando de peito aberto os críticos de plantão para mostrar que ali quem manda é ele. Já pode separar espaço na prateleira para receber todos os prêmios de teatro como melhor ator de 2017. Lobianco vai do drama à comédia numa mesma noite.

Atualmente estamos assistindo filmes – Divinas Divas, dirigido por Leandra Leal e premiado no festival South by Southwest nos Estados Unidos como melhor filme -, peças  de teatro – BR Trans, estrelada por Silvero Pereira - e programas de televisão  - Amor e Sexo, apresentado por Fernanda Lima - dando voz a transgênicos, artistas do transformismo, Drag Queens, Crossdresseres – como o cartunista Laerte.

Gisberta já é um dos melhores espetáculos de teatro de 2017. Será difícil superar a qualidade técnica, o talento da equipe e a competência da produção de Cláudia Marques. Foram dez minutos de aplausos ininterruptos, e ficaríamos lá aplaudindo se Luiz Lobianco não tivesse que sair do CCBB e para encarar, na mesma noite de sexta-feira, personagens hilários no show Buraco da Lacraia Opera House, em cartaz numa boate na Lapa carioca. Via longa ao espetáculo! Viva Gisberta! 
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Um comentário:

Lúcio disse...

Muito obrigado pela parte que me toca, Marcelo! Lindo o texto, cheio de generosidade. Forte abraço!