As notícias estão por toda parte: “Escola condenada a indenizar alunos
por constrangimento em sala”, “Garota processa escola por mexer em seu celular”,
“Justiça condena pais de aluno por bullying”, “Professora de escola municipal é
agredida por familiar de aluna em SP”, “Professora é agredida por mãe de aluna
dentro de escola estadual em Juiz de Fora”, “Aluna filma professora e vídeo vai
parar no twitter do presidente”, “Aluna agride professora com socos e pontapés
em escola de Teixeira de Freitas”.
Pais superprotetores, mal-educados, ausentes, onipresentes. Qual a
equação para educar? Como criar um filho para o mundo real e não numa bolha? “Menino
não entra na cozinha”, ouvi uma vez. Preconceito escancarado. “Menino não lava
louça”, continuou a tia. Ela estava errada. Deveria ter me ensinado a lavar louça
e não me expulsado do recinto.
Está no Teatro PetroRio, o musical Monstros. Premiado na Argentina, escrito
por Emiliano Dionisi, com tradução e
versões de Victor Garcia Peralta e Claudio Lins, a peça é um
soco no estômago. A realidade nua e crua de como muitos pais estão educando as
crianças. É espantoso como, mesmo sendo um texto de outro país, a realidade se
encaixa perfeitamente na nossa...
Resumindo: dois pais adultos se encontram numa festa, pois seus filhos
estudam na mesma escola. Ambos têm certeza de que seus filhos são geniais,
incríveis, maravilhosos, mais que especiais. “Um rostinho acima da média”. Problemas
com coleguinhas são sempre culpa dos outros. O amor sufocante - e cego - desses
pais certamente será responsável por desvios comportamentais dos pequenos. Ao
longo da peça, vemos os pais-monstros saindo do armário. Os verdadeiros “eus” são
escancarados. As relações doentias do dia a dia vão crescendo, até o clímax
final; bomba jogada no colo da plateia.
No palco, o cenário de Fernando Rubio, um imenso “grampo sargento”
(cata no Google) usado na marcenaria, serve de banco, cama, divisória. O
simbolismo do aperto, controle de movimento, segurança sob pressão, que são as
funções originais do objeto, servem como referência para as relações entre pais
e filhos. Claudio Tovar assina o figurino elegante. Maneco Quinderé nos oferece
uma iluminação primorosa. Desde a primeira cena, passando pelas sombras, tudo
está perfeitamente integrado ao espetáculo. As músicas originais de Martin
Rodriguez, ajudam a conduzir a história. A direção musical e execução de Azullllllll
é extremamente moderna e angustiante. Perfeita para o clima.
Victor Garcia Peralta dirige um espetáculo tenso, ansioso, marcadíssimo.
Seguro e certeiro, não há espaço para dupla interpretação, todas as intenções
são aproveitadas, o espaço utilizado com exatidão, as marcas realizadas com propriedade.
Destaque para a cena da reunião de pais na festa, dos apelos da mãe para que a
menina desça da árvore, e a transformação de Claudio Lins de pai para filho em
uma mesma fala.
Soraya Ravenle (Sandra) é a mãe superprotetora de Luiza. Além da
natural segurança como cantora, Soraya tem neste papel um dos melhores de sua
carreira. Repito: a cena do encontro dos pais na festa, Soraia interpreta mais
de 10 mães histéricas apenas com seu rosto e sua voz. Brilhante! Não menos enérgico,
Claudio Lins (Cláudio) é o pai do “acima do peso” Francisco. Consegue passar do
pai solteiro, que ignora o filho, àquele que promete “leva-lo à lua” para que a
criança pare de chorar. Oferecendo recompensas, comprando a sua paz, substituindo
amor por dinheiro. É comovente a fala do menino narrando uma ação, implorando
pela aprovação do pai. Que dupla, senhores! Que dupla!
É de se supor que os dois pais sejam adeptos ao movimento extremista
que assola nosso Brasil. São eleitores do que há de pior na política sob a alcunha
de “homens de bem”. Fazem muito mal à sociedade, não pensam no coletivo, não
educam. Monstros é um espetáculo para ser estudado de perto por alunos de
psicologia, psiquiatria e psicanálise. Um prato cheio para que se possa
discutir a educação em nosso país. É para ir a fundo, ver, rever, analisar,
comentar e buscar soluções para melhorar as crianças que estão sendo formadas
agora.
Obrigatório é pouco. Monstros é mais que necessário. Se você tem filhos,
se já os teve, se quer ter, se tem sobrinhos, primos, não perca tempo. Corra
para o teatro e veja um grande exemplo do que está acontecendo no mundo e como
as relações estão nocivas. Monstros é de uma realidade e crueldade
impressionantes e, graças a Deus, pudemos assistir a este espetáculo e refletir
sobre o que está sendo dito no palco. Aplausos sem fim.
Um comentário:
Rapaz, relendo agora... Acho que vc gostou mesmo! Que bom que te tocamos. Obrigado pela oportunidade.
Ab
Claudio Lins
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