terça-feira, 10 de setembro de 2019

A COR PÚRPURA - o musical



     Dados de março deste ano (G1): aumento de 12% no registro de feminicídio; uma mulher é morta a cada 2h no Brasil; dois terços das mulheres assassinadas são negras; aumento de 54% do número de assassinato de mulheres negras nos últimos 10 anos. Pois nos anos 30, nos EUA, a coisa era bem pior (era?).

     O romance A Cor Púrpura, da premiada autora Alice Walker (lançado em 1982 e adaptado para cinema em 1985 por Steven Spielberg com Whoopie Goldberg, Danny Glover e Oprah Winfrey), é uma fotografia da sociedade patriarcal e racista. Às mulheres cabiam o direito de lavar, passar, escovar, apanhar e sofrer.

     No livro, temos as cartas escritas por Celie para Deus – e com isso toda a trama. No cinema, a história é vivida. O musical é o cinema no palco, com texto e músicas de Brenda Russell, Allee Willis e Stephen Bray. No roteiro original de Marsha Norman, cuja versão brasileira é assinada por Artur Xexéo, acompanhamos Celie, sua relação com a irmã, a perda dos filhos, seu marido agressivo, a esposa rebelde do enteado, a cantora feminista, o amor, desafios, a amizade, preconceitos vários. Tudo muito atual e presente na sociedade em que vivemos.

     O grande palco da Cidade das Artes, onde está em cartaz A Cor Púrpura, é preenchido pelo cenário de Natália Lana: uma casa de dois andares com sacada, telhado, vigas, pilares, cadeiras, mesas, com resultado excelente não só para a peça quanto para o visual. Ao redor, um imenso céu que muda de cor com a ótima e competente iluminação de Rogerio Wiltgen. Um dos casamentos entre cenário e iluminação mais bonitos dos últimos tempos. A projeção de sombras da construção e personagens nos painéis laterais é um achado! Ney Madeira e Dani Vidal são os figurinistas com destaque para as roupas da tribo Olinka e as calças de Celie! Tudo com a delicadeza de movimentos de Sueli Guerra na coreografia.

     Tony Lucchesi é o diretor musical e Thalyson Rodrigues o regente da orquestra de nove músicos. Ainda na sonorização, Gabriel D’Angelo nos coloca dentro da cena de onde quer que estejamos na plateia.

     O elenco é encabeçado por Letícia Soares (Celie), talentosa, com voz ótima, afinadíssima. Sérgio Menezes (Mister) é o marido vilão. Jorge Maya, em participação especial, empresta seu talento para viver dois personagens. Flávia Santana (Shug Avery) vive a cantora à frente do seu tempo e Lilian Valeska (Sofia) é a rebelde com causa! Destaque para Alan Rocha (ótimo como Harpo), Ester Freitas (Nettie), Analu Pimenta (Squeak), e o trio de “fadinhas da Bela Adormecida” composto por Claudia Noemi (Darlene), Erika Affonso (Doris) e Suzana Santana (Jarene) que eu adorei demais! Completando o elenco, Leandro Vieira, Renato Caetano, Nadjane Pierre, Thór Junior, Gabriel Vicente e Caio Giovani.

     Um espetáculo com a marca do diretor Tadeu Aguiar. Segurança, beleza cênica, números musicais com emoção. Com tanto talento reunido, Tadeu conduz o andamento com a certeza de que é preciso tratar o assunto com a delicadeza, calma, firmeza e respeito necessários, sem perder a arte. Com sempre, Tadeu é certeiro. Seu histórico de espetáculos de qualidade (“Ou tudo ou nada”, “O dia que raptaram o papa”, “Bibi”...) é grande. Em A Cor Púrpura, reafirma sua capacidade como grande diretor.

     Espetáculos com tema “racismo” ganharam vulto de três anos pra cá. Para crianças e para adultos, títulos como “Pequeno príncipe Preto” e “Ombela”, “Race”, “Contos Negreiros do Brasil”, “O Encontro de Malcom X e Martin Luther King Jr“, “Oboró Masculinidades Negras”, “O Topo da Montanha” são sucesso por onde passam. A presença do público, identificado com os temas, fez com que o pagamento da bilheteria ganhasse a alcunha de Black Money. O importante é a identificação com as histórias e a plateia se ver representada no palco.

     É louvável que Eduardo Bakr e Tadeu Aguiar, através da produtora Estamos Aqui, estejam com este musical grandioso, no ótimo teatro da Cidade das Artes, graças à parceria com a Bradesco Seguros. Manter mais de 100 pessoas trabalhando em arte, em teatro, nos tempos atuais, é uma tarefa que poucos estão conseguindo! É para eles este aplauso em formato de texto. Obrigado. Muito obrigado! Vida longa para A Cor Púrpura!

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